Hoje ficamos a saber onde estão as mulheres nos bastidores do cinema
Há dez anos, o único sector dominado no feminino era o do guarda-roupa e maquilhagem e só existia paridade na produção. Encontro do Eurimages debate esta segunda-feira na Cinemateca o papel das mulheres no cinema português e europeu.
Há dez anos, ia-se mais ao cinema em Portugal – 15,4 milhões de bilhetes vendidos em 2005 contra os 12,1 milhões de 2014 – e punha-se a hipótese de o DVD vir a matar as salas de cinema. Mas nos bastidores já se monitorizava o papel das mulheres no sector. No estudo de 2005 coordenado por Rui Telmo Gomes, Vanda Lourenço e Teresa Duarte Martinho no âmbito do projecto comunitário Culture-Biz sobre o género na profissão de cinema em Portugal, elencavam-se os diferentes papéis na produção cinematográfica e ficava-se a saber que entre 2001 e 2003 apenas um quinto das longas-metragens portuguesas tinham sido feitas por realizadoras, embora no documentário a parcela feminina passasse para os 30%.
O levantamento concluiu ainda que desde a década de 1990 se tinha registado “uma lenta mas progressiva feminização das equipas de produção” de cinema em Portugal. E notava que havia mais mulheres, mais jovens e mais qualificadas, no mercado, sendo que, em 2004, entre 80 e 90% dos profissionais nos camarins que tratavam de figurinos, maquilhagem e cabeleireiro eram mulheres, contra 18% na realização e 53% na produção.
No encontro do Grupo de Estudo sobre Igualdade de Género (GEIG) do Eurimages, o fundo europeu de apoio à produção cinematográfica, que a partir das 18h15 decorre na Cinemateca com entrada livre, Teresa Duarte Martinho, investigadora de Pós-doutoramento do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, regressa ao tema e vai juntar-se a Nuno Fonseca, do Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA) para fazer o retrato das Mulheres na Indústria de Cinema Portuguesa. Antes, Sanja Ravlic vai divulgar as estatísticas mais recentes do Eurimages sobre as mulheres no cinema europeu.
Ravlic preside ao GEIG, criado em 2013 num cenário em que a representação média das mulheres a trabalhar em cinema na Europa era de 23% (números de 2012 nas áreas de produção, realização, fotografia, montagem e argumento). Uma “forte disparidade”, segundo o fundo Eurimages, que dá ainda mais importância a outro número: “a taxa de sucesso em relação aos apoios atribuídos a projectos escritos e realizados por mulheres é inferior (37%) do que a dos homens (50%).”
Estamos no ano em que o fundo decide se deve adoptar uma política específica para encorajar a presença das mulheres no cinema europeu, numa altura em que os números do maior mercado do mundo, o americano, mostram o domínio masculino: em 2014 só 7% dos filmes de maior sucesso foram realizados por mulheres e só 12% tiveram protagonistas femininas. E isso reflecte-se nos salários – desiguais, como gritou Patricia Arquette nos Óscares, nos temas e na representação das mulheres. “O género do realizador é incrivelmente importante porque a investigação mostra que está relacionado com a percentagem de personagens femininas que vemos no ecrã”, disse em Janeiro Martha Lauzen, directora Center for the Study of Women in Television and Film da Universidade de San Diego. Quando lá estão, são poucas ou, tendencialmente, “mulheres de” ou “filhas de”.
No encontro desta segunda-feira, co-organizado pela Cinemateca e pelo ICA, será ainda projectado um excerto de Três Dias Sem Deus (1945), de Bárbara Virgínia – é a primeira longa-metragem de ficção realizada por uma mulher em Portugal e que esteve na primeira edição do Festival de Cannes, no ano seguinte (o filme será comentado pelo director da Cinemateca, José Manuel Costa). O dia termina com uma mesa redonda com Catarina Alves Costa e Graça Castanheira, realizadoras e professoras, com a realizadora e produtora Filipa Reis, com as produtoras Pandora da Cunha Telles e Joana Ferreira e com o realizador e professor João Mário Grilo.