"Narcomami" na lista dos traficantes mais procurados do México

Enedina Arellano Félix, "La Jefa", assumiu o controlo do perigoso cartel de Tijuana depois da captura ou morte dos varões do clã Arellano Félix, que domina o tráfico de droga na fronteira com a Califórnia há mais de 20 anos.

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Autoridades mexicanas exibem uma das maiores apreensões de droga de sempre em Tijuana, em Outubro de 2010 REUTERS/Jorge Duenes

Na quarta-feira, a polícia federal, deitou a mão a Omar Treviño Morales, o chefe dos sanguinários Los Zetas que se gabava de ter assassinado mais de mil pessoas. Foi detido sem disparar um tiro.

Com alguns dos maiores inimigos do Estado subjugados – pela espada ou pela lei –, as atenções voltam-se agora para o nome que sobressai na lista dos mais procurados: Enedina Arellano Félix, conhecida como a “Narcomami” ou “La Jefa”, a mulher que manda no cartel de Tijuana, considerado pela agência anti-drogas norte-americana como uma das organizações criminosas mais perigosas do mundo. A primeira “jefa narca” do México tem a cabeça a prémio, com uma recompensa de cinco milhões de dólares a pagar informações que levem à sua captura.

Nada que intimide Enedina: aos 54 anos, a violência, traição, morte não constituem surpresa para esta herdeira da dinastia Arellano Félix, a família que fundou o chamado cartel de Tijuana, nos anos 80, e dominou durante décadas a lucrativa rota de tráfico de droga na fronteira do México com o estado da Califórnia. O seu monopólio chegou a estender-se por mais de uma dezena de estados mexicanos, mantido pela intimidação, corrupção e violência extrema – ao transporte, importação e distribuição de drogas (marijuana, cocaína, heroína, metanfetaminas) foram-se acrescentando outras actividades criminosas, como raptos e contrabando de armas e de pessoas.

O poder passou por todos os homens deste clã de narcotraficantes. O primeiro chefe foi Ramón, morto em Fevereiro de 2002 num tiroteio no estado de Sinaloa, com os membros do cartel emergente e em expansão. O seu sucessor, Alberto Benjamín, mal teve tempo para se impor: acabaria capturado um mês mais tarde, levando o irmão seguinte, Francisco Javier, “El Trigrillo”, a assumir a liderança. Em 2006, o chefe da família foi denunciado pelos seus guarda-costas e detido nos Estados Unidos – Eduardo, o próximo na lista, também acabou preso, em 2008. Francisco Rafael, o último varão, foi então promovido a capo. Mas também acabaria morto, assassinado em Outubro de 2013 numa festa infantil na exclusiva Ocean House, uma luxuosa estância de San José Del Cabo, na costa do Pacífico. Foi um serviço por encomenda, executado por três matadores que entraram disfarçados de palhaço.

Terminada a linhagem masculina, foi a caçula Enedina quem agarrou as rédeas do negócio da família. A princípio, o protagonismo coube ao seu filho primogénito, Fernando Sánchez Arellano, conhecido como “El Inginiero”, apanhado pela polícia quando assistia pela televisão ao jogo da selecção de futebol do México contra a Croácia, no Mundial do Brasil.

Desde que se tornou a “jefa narca”, Enedina lançou-se a reconstruir o debilitado cartel de Tijuana – que sobreviveu às guerras territoriais com os Sinaloa (duas investidas, a primeira no tempo de Joaquín Guzmán, “El Chapo”, e depois de Ismael Zambada, “El Mayo”) e com o temido “Senhor dos Céus” [El Señor de los Cielos], Amado Carrillo, o chefe do cartel de Juaréz. No auge dessas disputas, o número anual de homicídios em Tijuana chegou a ultrapassar os 1500 (1528 em 2010)

Por uma questão de sobrevivência, era preciso conduzir as operarações de maneira distinta da dos irmãos, e Enedina, por feito e formação, foi a pessoa certa para “ressuscitar” o negócio da família. Discreta e inteligente, segundo Ricardo Ravelo, jornalista e autor de várias obras sobre o narcotráfico, a mais nova dos Arellano Félix é a mais “cerebral” do clã. No seu blogue intitulado La Mafia Mexicana, descrevia-a em 2009 como “esquiva”: “Enedina não tem os rasgos violentos de Ramón nem a postura negociadora de Benjamín. Não é uma matrona cruel nem uma dama obcecada com o poder e a beleza. Não é dada a excentricidades. O que sobressai nela é a sua capacidade administrativa e eficiência”.

No seu papel de “Narcomami”, redimensionou a sua organização, fortalecendo as ligações aos sectores políticos e económicos da região do Noroeste do México, a partir da cidade de Tijuana (1,3 milhões de habitantes), onde um grama de cocaína vale dez dólares. Começou a concentrar as atenções no tráfico de droga, menosprezando os outros exercícios criminosos “laterais” do cartel. Compôs alianças, por exemplo com o cartel do Pacífico, e assinou um pacto de não-agressão com os Sinaloa, rivais históricos. Também estabeleceu “relações internacionais”, que chegam aos Estados Unidos e à Colômbia. No entanto, como notou à BBC o director do Centro Binacional de Direitos Humanos de Tijuana, Víctor Clark, “os índices de violência e criminalidade do cartel de Tijuana não diminuíram sob a liderança de Enedina, que já mostrou que não pestaneja na hora de enfrentar os seus rivais”.

O negócio de família privou-a, ainda na adolescência, da liberdade para escolher o seu caminho. O seu sonho de juventude era afastar-se do narcotráfico e desfilar em passerelles ou como uma rainha do Carnaval: em vez disso, foi estudar Contabilidade e Gestão para uma conceituada universidade privada de Guadalajara, com aproveitamento máximo. Sob a liderança dos seus irmãos, começou a manusear os livros de contas da organização, tornando-se a responsável pela vertente financeira do negócio do tráfico (a violência ficava para a facção masculina).

De acordo com fontes dos serviços de segurança mexicanos citadas pelo jornal 24 Horas, Enedina Arellano foi “a responsável pela evolução do cartel de Tijuana de um grupo violento para uma organização pseudo-empresarial”. Em 2002, o seu nome já estava identificado nos relatórios do departamento anti-drogas dos Estados Unidos (DEA) como o “cérebro financeiro” do cartel de Tijuana: a irmã dos temidos Arellano Félix foi das primeiras a interiorizar a ideia de que o “sucesso” dos cartéis passava pela “legalização” da sua riqueza, que se livraria da origem ilícita ao ser integrada na economia oficial, sujeita a impostos.

Enedina dirigia as operações financeiras da organização com o seu marido, Luis Raúl Toledo Carrejo. Informações cruzadas com o Departamento do Tesouro dos EUA apontavam já nessa altura para uma diversificação de investimentos e participações em nome do casal, que serviriam um propósito de lavagem de dinheiro – uma distribuidora farmacêutica e uma rede de farmácias, agências de câmbio, imobiliárias, hotéis e outros estabelecimentos comerciais.

Num relatório de 2008, era mencionada como “a mulher mais poderosa do mundo das drogas”. A ascensão de Enedina ao topo da cadeia significou uma pequena revolução que desfez o paradigma machista do mundo do narcotráfico. De acordo com a imprensa mexicana, sem pretender, “Arellano Félix mudou a imagem e o papel das mulheres que por circunstâncias da vida ou vontade própria, se juntaram às fileiras do narcotráfico”: essas mulheres, escrevia o jornal El Imparcial, habitualmente prestavam “favores sexuais ou sentimentais” aos capos da droga.

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