Mapas e identidades
A Europa sempre foi feita de mudança. Não vale a pena remontar à Grécia e a Roma. A Europa foi até aos séculos XVII e XVIII equivalente a Cristandade. Depois, a entidade Europa autonomiza-se e nasce o adjectivo “europeu”. Designa já uma entidade político-geográfica e uma identidade cultural. No século XIX, começa a usar-se o termo “europeizar”: moldar uma sociedade à imagem da Europa, tida como civilização superior.
O termo “Europa” tem outros sentidos. Em 1990, no fim da Guerra Fria, “Europa” designava na linguagem comum os países de economia liberal organizados na Comunidade Económica Europeia (CEE). Ainda hoje, a propósito da Ucrânia, se fala na “atracção da Europa”. Ou se denuncia a “Europa” a propósito do euro e da austeridade.
O mapa de Março de 1990, meses antes da reunificação alemã, espelha ainda a Guerra Fria, onde dois blocos geopolíticos se afrontavam. De um lado, a Europa Ocidental — o espaço da CEE e da NATO — sob influência dos Estados Unidos. Do outro, a União Soviética e a Europa de Leste, sob tutela de Moscovo.
O Leste europeu emancipa-se a partir de 1989. O Pacto de Varsóvia, a aliança militar de Moscovo, é dissolvido em 1991. Em Dezembro desse mesmo ano desmorona-se a União Soviética. A desagregação da URSS e a que se segue na Jugoslávia vão dar lugar a uma vaga de nacionalismos e a declarações de independência. Em 1991-92, constituem-se 15 novos Estados europeus que se somam aos 30 já existentes. Faltavam o Kosovo e o Montenegro.
Esta será a primeira impressão que o leitor pode tirar da comparação dos mapas: mais Estados. A maior revolução está noutro lado — nos novos “blocos”. A Rússia “encolhe”: perde a Ucrânia, a Bielorrússia, a Moldávia, os três Estados Bálticos e os países do Cáucaso. Perderá também os Estados da Ásia Central. Em compensação, a “Europa dos 12”, que inclui Portugal desde 1986, vai alargar-se ao Leste. Conta hoje com 29 Estados-membros. Também a NATO se expandiu para o Leste.
Entretanto, a História não parou. O conflito ucraniano é uma herança da “queda da URSS”: a aliança ocidental empurrou a Rússia para leste; Moscovo tem um desígnio imperial e quer recuperar a tutela dos vizinhos. A UE é hoje para ela um inimigo.
Vinte e cinco anos depois da euforia de 1990, a Europa volta a duvidar e a questionar a sua identidade. Dilui-se a linha Leste-Oeste e cresce a fractura Norte-Sul? “Nenhuma época, nenhum país e muito menos nenhum indivíduo pode dizer-se depositário do espírito europeu. (...) A realidade europeia pertencerá aos que ousarem reinventá-la”, responde o filósofo alemão Heinz Wismann.