A reforma do Ensino Superior
Não é possível voltar a um sistema que discrimina indivíduos com base no seu nível social de origem.
São várias, e de natureza diversa, as razões do crónico adiamento de uma reforma do Ensino Superior. Algumas destas razões serão mais nobres, outras apenas refletem alguma desorientação das equipas ministeriais, mas certamente não será por falta de vontade que um qualquer ministro não deixa o seu nome associado a uma lei com a dimensão da reforma Veiga Simão, já do início dos anos 70. Boas razões, para se adiar uma reforma, são certamente as necessidades de ponderação e de uma reflexão aturada: está em causa o futuro de gerações de alunos e, através deles, o futuro do País. Uma reforma desta natureza exige uma visão prospetiva para o País, que necessita ser explicada. Necessita de uma cuidadosa seleção de modelos, da sua análise crítica e da sua cuidadosa adaptação à nossa realidade.
O que o País não necessita é de reformas apressadas. O atual sistema de Ensino Superior tem fraquezas que necessitam ser corrigidas, mas também tem virtudes que não podem ser destruídas. Temos assistido, nos últimos anos, a um enorme progresso na qualificação dos docentes, na capacitação das Instituições, na internacionalização das suas atividades, no reconhecimento dos cursos e na valorização dos diplomados. O País reconhece este progresso, sente os seus efeitos, e não permitirá que aventureirismos mascarados de reformas interrompam este progresso. Atualmente os portugueses sabem que as Instituições de Ensino Superior estão ao seu serviço e o Ensino Superior Público tem enorme prestígio em todos os quadrantes da população e em todos os setores de atividade.
O sistema atual tem mostrado flexibilidade suficiente para se adaptar a todos os desafios. Todos reconhecem a necessidade de reestruturação da rede. Desde há anos que decorre o redimensionamento da oferta de cursos e a sua adaptação à dimensão da procura. Acelerem-se estes processos. Exija-se ainda mais das instituições de ensino superior e contratualizem-se as condições para atingir novas metas. Estabeleçam-se níveis de exigência mais ambiciosos, mas não se destrua valor.
A reforma do ensino superior não pode fazer-se com cutelo, cortando, decapitando e destruindo Escolas onde elas fazem falta. Nem desclassificando cursos que são reconhecidos internacionalmente e destruindo outros que são necessários. Nem tão pouco desmontando a capacidade de investigação instalada. Não é útil, não é desejável e não será aceite qualquer alteração no Ensino Superior que reduza a missão das suas instituições. A redução da missão, ou do nível de exigência, a uma parte das instituições do ensino superior apenas terá como efeito a promoção do laxismo nas restantes. E, obviamente, a descredibilização de todos os diplomados.
Ainda menos aceitável será qualquer pretensa reforma que introduza descriminação entre diplomados. Não podemos aceitar de volta o sistema elitista do Estado Novo. Não há sociedade desenvolvida que possa desperdiçar talentos, relegando para a impreparação quem não tem acesso fácil à prossecução de estudos. E, se não por uma questão de justiça, pelo menos por uma questão de eficácia, urge fomentar uma ainda maior mobilidade social. Esta mobilidade social, centrada nos saberes e nas competências dos indivíduos, nas suas capacidades técnicas e científicas, no seu nível cultural, no seu dinamismo e no seu desempenho pessoal, transformou radicalmente o nosso País nos últimos 40 anos. Não é possível voltar a um sistema que discrimina indivíduos com base no seu nível social de origem.
Parece que, no Governo, há quem não perceba que é isso que resultará do que se preparam para fazer. Lentamente, de forma subtil, têm surgido pequenas notícias a preparar uma potencial reforma. Esta reforma anunciada não se vislumbra planeada com base em critérios de qualidade mas sim em pressupostos, pouco claros, de uma hipotética clarificação das diferenças entre ensinos Politécnico e Universitário. Será isto uma vantagem para a população em geral, para o mercado, para a economia e para o país? Ou estará esta potencial reforma apenas a servir o interesse corporativo de uns poucos? Mascarada de solução final, supostamente resolvendo um problema de consanguinidade entre os dois subsistemas de ensino superior, o Governo apenas irá destruir parte do que, com o esforço de todo o país, se conseguiu construir nos últimos anos.
A jeito de recomendação, para quem tenha o impulso de propor reformas pouco refletidas, lembremos os antigos Persas que, segundo Heródoto, tinham o velho hábito de se embriagarem quando reuniam para discutir assuntos importantes, mas só decidiam no dia seguinte, quando já estavam sóbrios.
Senhores ministros: reúnam um grupo de discussão alargado e competente, forneçam uma quantidade generosa de vinho do Porto, mas decidam só no dia seguinte.
Professor do Instituto Politécnico do Porto e investigador da Universidade do Porto ((jma@isep.ipp.pt)