O rapaz das reestruturações está de volta à RTP

A Cresap disse dele que não aparenta ter “sensibilidade social”. Talvez porque no seu currículo os holofotes se centram nas duas operações de reestruturação que ajudou a comandar – uma delas na RTP. Os cantos da casa ele conhece, a casa é que está diferente. Um pequeno perfil de Gonçalo Reis, o novo presidente da RTP.

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Gonçalo Reis em 2009, quando tomou posse como vereador da oposição na Câmara de Lisboa, eleito na lista de Pedro Santana Lopes. Enric Vives-Rubio

Gonçalo Reis descobriu a paternidade já bem nos trintas. Depois de três filhas de cabelo encaracolado como o pai, chegou, há um ano, o primeiro rapaz. Haveria de dedicar-lhe uma das suas crónicas mensais no Diário Económico, com conselhos de vida. “Não sejas céptico, nem presunçoso, nem diletante”, dizia-lhe. “Lê muito. Começa por ler romances, lê os clássicos a sério, lê história, biografias.” Avisava-o que a dada altura na vida há-de ir para o estrangeiro – o bisavô, o avô e pai fizeram o mesmo e regressaram sempre.

“Segue uma profissão onde consigas afirmar-te. Não sintas vergonha por teres pressa.” Gonçalo Reis teve. Na primeira passagem pela RTP, em 2002, era o mais novo da apelidada “comissão liquidatária” da RTP, como temiam os trabalhadores; nas Estradas de Portugal, para onde seguiu com Almerindo Marques, também. Será agora, novamente, o presidente com menos idade a liderar a TV pública. O “miúdo”, depreciam uns poucos. Ou talvez isso lhe dê a mola que a RTP precisa para liderar a corrida do bicho papão do digital.

Em 2002, entre os seus pelouros estava o comercial e marketing, multimédia e sistemas de informação, os canais internacionais. No ano seguinte a RTP perdeu o direito a 1,5 minutos de publicidade por hora (- 14% do total), mas mesmo assim facturou mais. A euforia do Europeu de Futebol, cuja operação da RTP Gonçalo Reis liderou, também ajudou, é certo.

Dizem dele que “gozou a vida de solteiro”. Casou-se aos 34 anos com Madalena Lacerda Gouveia, filha de António Patrício Gouveia, chefe de gabinete de Sá Carneiro que também morreu no acidente de Camarate – Madalena acabara de fazer dois anos. Além de directora de comunicação e marketing do Centro Cultural de Belém, Madalena é, com os irmãos e primos, uma das responsáveis pelo museu do Caramulo, imaginado pelo seu tio-avô, Abel Lacerda – que morreu cedo, ainda antes da obra feita –, e concluído pelo seu avô, João Lacerda. A mulher de Gonçalo Reis é actualmente a presidente da direcção da Fundação Abel e João de Lacerda, proprietária do museu que tem colecções de arte, automóveis, bicicletas e motos e também brinquedos antigos.

Cosmopolita e com sentido estético
Terá sido o sentido estético e cultural que os aproximou. Madalena é de história da arte, Gonçalo aprecia pintura moderna, frequenta exposições. Em casa têm peças, sobretudo de arte contemporânea, que chegam a emprestar para exposições. Nomes como José Pedro Croft, Pedro Cabrita Reis, Rui Sanches e João Louro estão representados na sua colecção, na casa no Chiado, onde vivem.

É daí que, pelo menos duas vezes por semana, sai de ténis para correr com o amigo dos tempos de Chicago, João Moreira Rato, e por vezes com Carlos Moedas. A primeira parte do percurso é a melhor – sempre a descer até ao rio, depois a direito até à Torre de Belém. O gosto começou pouco depois de entrar na RTP há 14 anos. A televisão pública patrocinava a meia-maratona de Lisboa e Carlos Móia conseguiu convencer figuras da empresa a participar. No dia 22 Gonçalo Reis volta à prova onde ainda não conseguiu baixar da fasquia das duas horas e alguns minutos.

Num daqueles desafios comuns nas redes sociais – onde, não sendo muito activo, até nem se coíbe de colocar fotos dos filhos –, Gonçalo Reis colocou no topo da lista dos dez livros preferidos O Vermelho e o Negro e A Cartuxa de Parma, ambos de Stendhal. Mas há outros autores de peso na lista, como Proust, Thomas Mann, Yourcenar ou Nabokov – gostos literários bem mais clássicos do que na pintura e escultura. Atento, costuma já ter lido os prémios Nobel mesmo que sejam menos conhecidos por cá. Do ecrã, consome informação, debates e séries – House of Cards e Borgen, os hits do momento, não lhe escapam.

À arte e à literatura soma o gosto das viagens – e nestas costuma tentar conciliar as duas primeiras. Prefere a Europa e os Estados Unidos como destinos. É bem mais cosmopolita que os irmãos, sendo o mais conhecido o gestor Pedro Reis, que passou há pouco pela AICEP. Os três irmãos têm idades muito próximas e percursos parecidos. O facto de serem filhos de um médio empresário de espírito combativo levou-os a seguirem economia e gestão. Viram o pai recomeçar do quase zero quando foi para o Rio de Janeiro em 1975, e onde estiveram até 1980. A família era dona da Altamira, a marca de mobiliário em voga nos anos 1990. Eram alunos aplicados, nos Salesianos do Estoril. Os três jovens tiveram muita liberdade, mas também responsabilidade. Frequentavam bares e discotecas da moda. “Uma esmerada educação suíça” que não lhe permite “dizer 'porra' nem 'chiça'”, brincaria mais tarde Almerindo Marques sobre Gonçalo.

Licenciado em Economia na Universidade Católica em 1992, esteve dois anos como analista no BCP. A vontade de rumar aos Estados Unidos fá-lo escolher um MBA na University of Chicago Booth School of Business. É das mais conceituadas e mais caras – e está no top das que mais milionários produzem. Dali saíram futuros presidentes do Goldman Sachs, Merril Lynch ou Morgan Stanley. Passou a pontuar o seu discurso aqui e além com termos ingleses de gestão.

De volta a Portugal, passa pela consultora Capgemini; foi vice-presidente da Havas, a multinacional de publicidade, onde geriu a conta da TVI e da PT. Em 2002 teve uma passagem de poucos meses pelo Parlamento, como deputado do PSD, a convite de Durão Barroso. Fora ali parar por integrar o projecto Missão Portugal, com jovens tecnocratas como Miguel Frasquilho, Graça Proença de Carvalho, Isabel Castelo Branco. Nuno Morais Sarmento convida-o para a RTP em 2002. Torna-se militante do PSD em 2003 e continua a colaborar nos gabinetes de estudo do partido, com António Borges (uma das suas referências na gestão), e os mais novos Alexandre Relvas e Carlos Moedas, por exemplo.

Gestor dos cortes
Na RTP foi uma das apostas de Almerindo Marques, a quem coloca no pedestal dos gestores pela capacidade de transformar e reestruturar as empresas. Em apenas um ano, a empresa reduziu 300 trabalhadores (15%), cortou 70 milhões nos custos. Os cortes, menores, repetiram-se nos anos seguintes. Os quadros de pessoal foram refrescados com alguma gente nova.

Em 2007, quando Almerindo Marques, o “homem das situações difíceis”, como o classificou o ministro Mário Lino quando o convidou para a Estradas de Portugal, rumou a Almada, levou Gonçalo Reis como administrador financeiro. Para, novamente, reestruturar outra empresa pública. “O grande motor da reestruturação do sector empresarial do Estado é a redução de pessoas” e “tratar bem os que ficam”, defendeu Reis numa conferência já em 2013, criticando os cortes nos salários da função pública. Tal como já avisou sobre a RTP, deve deixar-se sair alguns para poderem entrar outros. Em 2010 mudou-se para o fundo de private equity Explorer Investments. Em 2009 e 2010 teve uma passagem fugaz pela Câmara de Lisboa, nas listas de Santana Lopes, mas onde era mais próximo do executivo socialista do que da oposição PSD.

O currículo de gestor dos cortes caiu mal na Cresap, que dele disse mostrar falta de “sensibilidade social”. O facto de Gonçalo Reis ter criticado o novo modelo de governo que o ministro Miguel Poiares Maduro desenhou para a RTP não parece incomodar a tutela. Para o agora presidente, o esquema do Conselho Geral Independente, que “assumirá quase todas as competências da tutela, diluindo a responsabilização e tornando confusa a linha de comando. Só por sorte este órgão (…) contribuirá para um melhor serviço público. É um tiro ao lado, bem intencionado seguramente, só que não resolve os problemas e inventa outros.” A sua equipa assumiu funções há três semanas e estará a ultimar a tal “fotografia” da empresa, a que tanto aludiu na reunião com os deputados, na Comissão de Ética, há um mês.

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