Por favor analisem a realidade e evitem os soundbytes políticos

Os dados estão em contabilidade pública (e não nacional) e limitam-se à administração central e segurança social (AC+SS), ou seja deixam de fora a administração regional e local.  Aproximadamente, o saldo orçamental (défice porque negativo) das administrações públicas, em contabilidade pública (CP), pode assim ser dado como a soma de três saldos: o da AC+SS (sem novas EPR – o universo comparável),  o saldo global das entidades (sobretudo empresas) que passaram a estar dentro do perímetro orçamental do Estado (em sentido lato) e o saldo da administração regional e local.  O famoso défice público, que interessa para nós e para Bruxelas (pois é o que faz aumentar a nossa dívida), é este saldo, mas corrigido em contabilidade nacional (CN) de acordo com o novo sistema europeu de contas (SEC 2010).  

Algumas notas metodológicas primeiro. O governo estima que a entrada de muitas empresas públicas para dentro do perímetro orçamental não fará alterar o défice pois, antes e depois da entrada, o saldo global praticamente é o mesmo -- a diferença é de 4 milhões (M) de euros--.  Os valores do saldo global das APs em contabilidade pública e nacional também não são significativamente diferentes de acordo com o Orçamento de Estado 2015 (5093M. e 4860M. )  Quanto à administração regional e local, os dados agora apresentados sugerem um quase equilíbrio orçamental em 2014 (-26,7M em CP) e em 2015 o OE 2015 prevê um excedente orçamental de 674 M. (em CP), ou seja prevê-se que no próximo ano o sector da administração regional e local contribua significativamente para a redução do défice das administrações públicas. Isto coloca uma questão interessante: será que nós, munícipes e cidadãos contribuintes locais, deveremos estar a pagar mais IMI, IMT e outros impostos e taxas locais não para os bens e serviços que consumimos, mas para reduzir o défice orçamental das APs? Acho que não!

Passadas as questões metodológicas, a leitura dos dados. O governo pretende melhorar o saldo do Estado (Administração Central e Segurança Social) em 1890M, e consegue-o com uma redução esperada na despesa maior (-2168M.) porque a receita também se espera que diminua. Curiosamente na receita pública o governo estima um aumento significativo da receita fiscal, sobretudo dos impostos indirectos, mas isto não chega para compensar a diminuição mais acentuada das outras componentes  (receitas da segurança social, transferências e outras receitas correntes e receitas de capital). Na despesa os principais cortes são nos subsídios, nas despesas com pessoal e nas transferências para fora das administrações públicas (prestações sociais para as famílias).

Consideramos que as previsões do governo para o défice orçamental das administrações públicas são optimistas. O governo prevê um défice de 2,7% do PIB e nós apontamos para 3,2% do PIB, isto sem medidas extraordinárias. Achamos que há demasiado optimismo na parte fiscal, não conseguimos entender como é que com uma reposição parcial de salários na função pública é possível ter cortes salariais da magnitude de 960 milhões, também não percebemos como é que nas transferências correntes, que incluem as pensões, é possível reduzir a despesa em 549 milhões. Estaremos cá para ver.

De qualquer modo interessa não nos desviarmos do essencial. Se o défice é importante, a dívida pública, na sua relação com o PIB (implicitamente com o crescimento económico), é aquilo que é mais importante e esta dívida, segundo dados do Banco de Portugal (óptica de Maastricht,) recentemente divulgados, estará nos 128,7% no final de 2014, face a 128% em 2013. Ou seja, não conseguimos ainda inverter a tendência de crescimento deste rácio.  O INE acaba de revelar os dados das contas nacionais para 2014. Considerando o PIB em volume (ano de referência 2011), a riqueza produzida em Portugal em 2014 é praticamente a mesma de 2001! (169,6mM. e 169,9mM respectivamente). Atingiu o seu máximo em 2008, e desde então caiu 6,6% em termos reais.

Desde a pré-troika (2010) até hoje o PIB contraiu 5,5%. Após três anos de recessão, em 2014 houve crescimento real, mas modesto (0,9%).  Já que entrámos em pré-campanha eleitoral seria útil se os partidos (todos!) se pronunciassem sobre questões essenciais quando, e se, tiverem algo a dizer: o crescimento económico, o emprego,  as dívidas (pública e externa), as desigualdades e a pobreza. As posições simplistas  sobre a “austeridade”, pró ou contra, sem clarificar o que se entende pelo termo, são sounbytes políticos, talvez eficazes, mas completamente inúteis no debate político e público.  

PS: Francisco Louçã fez, no Público, a sua exegese dos meus textos, em torno da questão da saída do euro. É um repto a revisitar um tema que abordarei aqui de bom grado no próximo domingo.

II

Das intenções às políticas

A carta de intenções que Yanis Varoufakis apresentou ao Eurogrupo é isso mesmo uma carta de intenções, que se define mais pela negativa, as coisas que o governo grego se abstém de fazer (decisões unilaterais sobre questões relevantes, reverter as privatizações que estão em curso, etc.), do que pela positiva, aquilo que irá fazer. Há decisões difíceis sobre as quais o governo grego vai ter de se pronunciar por volta de Abril, na altura em que for feita a avaliação da extensão do programa. Essas decisões, no campo orçamental, são a dois níveis.

O primeiro é o do acordo da Grécia com as instituições europeias, e o FMI, do objectivo para o saldo primário (saldo orçamental sem juros) para 2015. O segundo, consiste na  clarificação das principais medidas quer do lado da receita, no campo fiscal (impostos sobre o rendimento, o consumo e o património) e das contribuições sociais, quer no campo da despesa pública onde sobressaem as prestações sociais (com as pensões à cabeça),  as despesas com pessoal e os juros, como principais componentes da despesa. Só quando as medidas forem clarificadas e quantificadas se poderá fazer uma análise da sua credibilidade.

Nessa altura, e dependendo do compromisso alcançado, as tensões políticas aumentarão quer na Grécia, quer nalguns países credores, em particular na Alemanha, onde os respectivos partidos no poder terão muita dificuldade em explicar as políticas concretas às suas bases sociais de apoio.

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