MP admite que Soares se pode ter excedido mas não cometeu crime contra juiz

Mário Soares avisou Carlos Alexandre, que decretou prisão preventiva a Sócrates, para que "se cuide". Frase pode ter sido "excessiva" mas o DIAP diz que não constitui crime. Para isso, Soares teria de ter recorrido à violência a ponto de condicionar as decisões do juiz.

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Críticas de Soares tiveram duas respostas do PSD NUNO FERREIRA SANTOS

“A frase em causa, ainda que possa ser tida por excessiva, não contendo em si mesmo perigo para qualquer interesse penalmente tutelado, cabe pois, nessa liberdade de expressão”, concluiu, porém, o Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa num despacho no qual decide não abrir inquérito-crime a Soares.

Não está por isso em causa um “sentimento de insegurança gerado pelas ameaças” que tenha afectado “a paz individual” de Carlos Alexandre, o que é “condição de uma verdadeira liberdade”, refere o despacho.

Neste documento, ao qual o PÚBLICO teve acesso e que ao longo de quatro páginas aprecia a eventual relevância criminal em que poderia ter incorrido o histórico militante socialista, Soares é classificando como “uma das figuras mais conhecidas da implantação da nossa democracia, da separação de poderes e da independência dos tribunais”.

A procuradora autora do despacho considera não estar em questão um crime de ameaça. A Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), porém, não teve dúvidas sobre o sucedido e considerou desde logo em comunicado que estava em causa uma “ameaça” a Carlos Alexandre que os “juízes portugueses não podem silenciar”.

Aliás, questionado então pelo PÚBLICO, o juiz presidente da associação, Mouraz Lopes, admitiu que, “como é lógico e evidente lendo a lei”, as declarações de Soares poderiam eventualmente configurar um crime de coacção sobre um titular de um órgão de soberania (como são os juízes).

A opinião da associação de juízes surge também referenciada logo no início do despacho do DIAP. “Frase esta [a de Mário Soares] que, como é do conhecimento público, alguns sectores da sociedade, designadamente ligados à Associação Sindical dos Juízes, interpretaram no sentido de se poder tratar de uma 'ameaça' àquele senhor juiz”, lê-se no documento.

Contudo, a procuradora considera que a expressão usada por Soares, “vista no contexto em que foi proferida e tendo em conta quem a proferiu”, não “contém virtualidade para afectar a paz individual ou a liberdade do destinatário concreto, com as suas características próprias”.

No mesmo contexto, o DIAP coloca as duas figuras deste desenlace lado a lado e, se por um lado, recorda o papel de Soares na consolidação da democracia, sublinha que Carlos Alexandre é juiz “operador de um órgão de soberania que, é por definição, independente”.

Neste despacho, datado de 23 de Fevereiro, a procuradora analisa juridicamente a possibilidade de poderem estar em causa eventualmente outros crimes, entre eles, o de coacção. Considera, contudo, que o mesmo “está desde logo afastado” já que seria necessário que Mário Soares, neste caso, tivesse usado “violência (física ou psíquica)” sobre Carlos Alexandre ou então tivesse proferido uma “ameaça com mal importante” suficiente para “constranger” o juiz a “deixar de praticar uma acção” ou a “alterar posições ou formas de actuação no processo”.

O presidente da associação de juízes, Mouraz Lopes, tinha já salientado ao PÚBLICO, numa reacção à decisão do Ministério Público e recordando que foi um “conselheiro de Estado” o autor da frase dirigida a Mário Soares, que “nem tudo que não é crime deixa de ser inaceitável assim como nem tudo que é inaceitável é crime”.

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