Zeinal Bava: "Ninguém pensava que o BES podia falir"
Ex-presidente da PT e da brasileira Oi garante no Parlamento que "nunca” a operadora nacional “investiria sem acautelar interesse próprio".
"É sempre mais fácil olhando pelo retrovisor. Do ponto de vista da PT, a responsabilidade final era do banco", defendeu Bava perante os deputados que integram a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) ao colapso do BES e do GES, garantindo ter tomado decisões de investimento no pressuposto de que o banco e o grupo da família Espírito Santo não tinham problemas.
"A partir do momento em que fui nomeado presidente da Oi, eu não sabia nem devia saber das aplicações da PT, pois existia conflito de interesses", contou o gestor, que disse ter-se afastado da operadora nacional porque "estava focado na Oi".
Desde que o escândalo das aplicações na Rioforte rebentou, Bava tem apostado na tese de que desconhecia as decisões ruinosas que em 2014 envolveram a PT e o BES/GES e tem negado sempre ter recebido orientações de Ricardo Salgado sobre as aplicações da operadora. A mesma linha tem sido seguida pelo gestor na audição desta quinta-feira na AR.
Falência? Que falência?
Comentando uma questão do deputado do PSD Duarte Marques, Bava observou: "Mas de que falência estamos a falar? A PT Portugal está em vias de ser adquirida por cerca de 7500 milhões de euros." Evidenciou ainda que a PT Portugal continua a ser "o motor" do sector das telecomunicações em Portugal. Por isso, diz: "Lamento, mas não me revejo" nessa questão da "falência da PT nem da perda de valor".Bava desmentiu ainda declarações feitas pelo administrador financeiro do BES, Morais Pires, e pelo ex-presidente da PT, Henrique Granadeiro, à auditora PWC (que esteve a avaliar os procedimentos da gestão da PT relacionados com a exposição ao GES/BES), segundo as quais teve conhecimento da aplicação ruinosa de cerca de 900 milhões de euros da PT na Rioforte.
"Não, senhor deputado em sã consciência eu não sabia", sublinhou Bava, para quem "as decisões da PT SGPS eram da PT SGPS”, da qual se afastou em Junho de 2013 e não tinha por isso “que saber nem devia saber destes investimentos".
Bava confessou também que foi "contra a venda da Vivo", a operadora brasileira detida em 50% pela PT (posição que foi comprada pela Telefonica), mas a decisão foi dos accionistas e estes "têm legitimidade para a vender". Embora tendo elogiado a OPA da Sonae por ser "arrojada", disse que era prejudicial à PT pois desmembrava a empresa, nomeadamente, vendendo a Vivo.
Antes, Zeinal Bava explicara que a parceria estratégica entre a operadora e o Banco Espírito Santo (BES), no início dos anos 2000, foi celebrada na "base da boa-fé" e mereceu mesmo a comunicação de "factos relevantes" ao mercado, garantindo que "em nenhum momento" a PT faria investimentos sem que os seus interesses próprios estivessem acautelados.
Bava aproveitou para elogiar Luís Pacheco de Melo, o ex-director financeiro da PT (onde se mantém na empresa, mas agora noutras funções), aproveitando para evidenciar que "é seu amigo". "A equipa financeira da PT é muito qualificada e experiente e sempre procurou garantir que os interesses da empresa fossem salvaguardados", vincou o gestor perante os deputados da comissão de inquérito.
Tal como Bava, Pacheco de Melo e Henrique Granadeiro (ex-presidente da PT) estão no centro da polémica entre a PT e o BES, dado que os três iam a despacho ao gabinete de Ricardo Salgado receber orientações, nomeadamente, de aplicação da sua tesouraria no GES quando o grupo já estava em pré-falência, o que contaminou as contas da operadora portuguesa.
Sem advogado nem apresentações
Zeinal Bava começou a ser ouvido cerca das 16h no Parlamento, onde se apresentou sem a companhia de um advogado e prescindindo de fazer a apresentação inicial. A ronda de perguntas foi aberta pelo deputado do PCP Bruno Dias, que começou por pedir ao gestor que desse conta do seu percurso profissional no grupo PT."Quem me convidou para a PT foram o dr. Murteira Nabo [na altura presidente da PT] e o dr. Eduardo Martins", explicou Bava, adiantando que "sempre teve grande empatia com a empresa". Revelou ainda que conhecia bem a PT por ter participado, na altura no quadro das suas funções de avaliação e consultoria enquanto responsável da banca de investimento (o anglo-saxónico Merrill Lynch), em todas as operações de privatização da PT. Bava informou que a sua entrada na PT decorreu na fase inicial através da PT Multimédia, em Outubro de 1999.
Durante a audição desta quinta-feira, uma das mais aguardadas pelos deputados da CPI, espera-se que Zeinal Bava, que entretanto já deixou o grupo de telecomunicações brasileiro e a operadora portuguesa vendida à Altice, possa esclarecer os deputados sobre o contexto em que decorreram as aplicações de quase mil milhões de euros realizadas pela PT na Rioforte (holding para a área não financeira do GES) e que se revelaram um negócio ruinoso.
Sublinhe-se que a PT era accionista de referência do BES, sendo, por sua vez, o banco então liderado por Ricardo Salgado o maior accionista da operadora.
A Comissão Parlamentar de Inquérito teve a sua primeira audição a 17 de Novembro passado e tinha inicialmente um prazo total de 120 dias, até 19 de Fevereiro, mas foi prolongado por mais 60 dias.
Os trabalhos dos parlamentares têm por objectivo "apurar as práticas da anterior gestão do BES, o papel dos auditores externos e as relações entre o BES e o conjunto de entidades integrantes do universo do GES, designadamente os métodos e veículos utilizados pelo BES para financiar essas entidades".
A deputada do PP Cecília Meireles começou a sua intervenção relatando que é a terceira vez que está numa CPI onde Bava foi chamado a dar esclarecimentos e que voltou "a sentir-se frustrada" pela prestação do gestor.
A deputada lembrou que Bava, nesta audição, tem estado a garantir que tudo fez para criar valor para os seus accionistas, de acordo com a sua obrigação, declaração que a leva, à deputada, a fazer-lhe a pergunta: "Mas acha que não teve nenhuma responsabilidade na destruição de valor da PT?" Bava considera precipitado fazer a avaliação da PT com base na sua cotação, por ser redutora e reafirma que "não subscrevo a visão de destruição de valor accionista.” Meireles nota que as explicações do ex-CEO não a convenceram e concluiu que "os accionistas da PT tenderão a concordar mais comigo, do que consigo."