Novos factos poderão colocar em causa recurso de Sócrates na Relação de Lisboa
Em causa está documentação e correspondência apreendidas em buscas à casa de Sócrates em Lisboa já após as primeiras visitas dos investigadores ao apartamento. Desembargadores sabendo da existência de novos factos elencados pelo procurador, poderão considerar que o teor do recurso pode estar ultrapassado.
Estes novos factos, que são decorrentes de diligências levadas a cabo pelo MP já depois de decretada a prisão preventiva de Sócrates, em finais de Novembro, são utilizados para reforçar a fundamentação pelo procurador Rosário Teixeira no reexame da medida de coacção.
Em causa estão, por exemplo, documentação e correspondência apreendidas em buscas realizadas à casa de Sócrates em Lisboa já após as primeiras visitas dos investigadores ao apartamento bem como em buscas na casa da sua empregada doméstica. Recorde-se que terá sido esta quem, antes da operação policial, guardou o computador pessoal do ex-governante na casa de um vizinho, onde também trabalha.
Na segunda-feira, os advogados de José Sócrates, João Araújo e Pedro Delille passaram primeiro pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), onde trabalha o procurador titular do processo, Rosário Teixeira para levantarem outros elementos usados pelo MP na resposta ao recurso da defesa.
Estes elementos, a maior parte deles transcrições de escutas telefónicas, já existiam no processo quando foi determinada a prisão preventiva. No entanto, não eram conhecidos da defesa, já que não foram comunicados no primeiro interrogatório.
Sócrates tinha segunda-feira interrogatórios marcados no Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP), no Campus da Justiça, mas a defesa tinha requerido a consulta desses elementos.
Os novos factos sobre os quais a defesa terá de se pronunciar podem complicar os planos da defesa do ex-primeiro-ministro. Com a reforma legislativa em 2007, o Código de Processo Penal passou a estabelecer expressamente que uma nova decisão do juiz de instrução criminal que reavalie e determine a continuação em prisão preventiva “não determina a inutilidade superveniente” de um recurso anterior pendente.
Contudo, nada impede que os juízes da Relação de Lisboa possam exigir ser informados sobre o estado actual do processo. Os magistrados, sabendo da existência de novos factos elencados pelo procurador no processo, poderão considerar que o teor do recurso estará ultrapassado.
Esta atitude não é habitual, mas vários juristas salientaram a existência de processos em que tal já aconteceu, nomeadamente quando a reavaliação das medidas de coacção (primeira-instância) e a decisão do recurso (Tribunal da Relação) estão a decorrer em simultâneo e em instâncias diferentes.
É neste ponto que o futuro do processo em que Sócrates é arguido, indiciado por fraude fiscal qualificada, corrupção e branqueamento de capitais, entra num emaranhado jurídico. Não existe ainda uma decisão final sobre a reavaliação da medida de coacção decretada a Sócrates e que tem de ser feita de três em três meses. Face aos novos factos apresentados pelo procurador Rosário Teixeira, Carlos Alexandre notificou a defesa por fax na tarde desta terça-feira de que tem dez dias para se pronunciar. Só depois o juiz de instrução decidirá se Sócrates continua na cadeia.
A defesa do ex-primeiro-ministro tem também noutra instância judicial dez dias para se pronunciar sobre a posição do procurador junto da Relação de Lisboa face ao recurso. Este concordou em toda a linha com a posição de Rosário Teixeira, elogiando a sua fundamentação e dando como reproduzido no seu despacho tudo que anteriormente o Ministério Público defendeu.
Por isso, tudo dependerá da atitude do juízes da Relação de Lisboa a quem coube em sorteio analisar o recurso da defesa de José Sócrates. Juristas e magistrados contactados pelo PÚBLICO sublinharam a existência de casos passados em que um juiz relator questionou o juiz de instrução sobre se existiam novos factos ou de nova decisão de revalidação dos pressupostos da prisão preventiva.
O Código de Processo Penal estabelece que a resposta ao recurso deve ser dada pelos juízes desembargadores tendo em conta apenas a realidade fáctica do momento em que aquele foi interposto. Tal significa ignorar a chegada de novas provas, analisando o caso como um instantâneo fotográfico do processo que parou no tempo em que o recurso foi interposto.
Porém, o juiz relator pode socorrer-se da possibilidade de aplicar de forma subsidiária o Código de Processo Civil que diz que a decisão deve ter em conta os factos recolhidos até à audiência de julgamento.
No caso de Carlos Alexandre decidir a manutenção da prisão preventiva com base nestes novos factos, apenas restaria à defesa apresentar novo recurso do reexame da medida de coacção decretada por Carlos Alexandre que esta terça-feira libertou o ex-motorista de Sócrates, João Perna, que estava em prisão domiciliária. O amigo do ex-governante e empresário Carlos Santos Silva continuará em prisão preventiva.
Durante esse tempo, Sócrates continua na cadeia de Évora, onde foi também notificado da decisão do juiz de instrução criminal. Findo esse prazo, o juiz tomará a decisão final dizendo se Sócrates continua ou não em prisão preventiva.
Magistrados e advogados aventaram ao PÚBLICO a possibilidade de a Relação de Lisboa dar já a sua resposta ao recurso ignorando nesse caso a existência de novos factos a coberto do que prevê Código de Processo Penal. Nessa cenário, se a Relação atenuar a medida de coacção anulando a prisão preventiva isso não impede que Carlos Alexandre venha logo depois voltar a decretar a prisão preventiva. Mas só terá legitimidade para o fazer se a fundamentar com novos factos entretanto constantes do processo.
"Posso antecipar que o engenheiro José Sócrates nada espera, seja para o que for, do senhor procurador da República ou do senhor juiz de instrução", comentou João Araújo num comunicado em que disse estar a aguardar de momento instruções do ex-primeiro-ministro, antes de tecer mais comentários.