Se querem que vos diga, já não é de agora que acho que os Óscares já não interessam nem ao menino Jesus, para usar a velha frase portuguesa. Até dou de barato que esse “cansaço” possa ter a ver com a globalização que nos permitiu passar a poder acompanhar em directo os anúncios das nomeações ou a própria cerimónia. Há 30 anos, havia sempre uma quota-parte de mistério – sabíamos dos vencedores sem termos visto os filmes, que nos chegavam muito mais tarde; hoje, embarcámos no enorme comboio do marketing dos estúdios que nos vendem os filmes como “material para Óscar” muitos meses antes das nomeações serem sequer anunciadas.
Mas, na verdade, não é por isso que os Óscares se tornaram numa irrelevância, tal como não é pelo facto de hoje termos um olhar muito mais profissional e informado sobre o assunto do que tínhamos antes. Não; é apenas porque os Óscares são, cada vez mais, um equívoco mediático que se perpetua a si mesmo, uma cerimónia que existe porque movimenta milhões mas onde se perdeu de vista aquilo que realmente interessa, que são os filmes.
Não tenho grandes dúvidas que, daqui a 30 anos, vamos estar a falar muito mais do Boyhood de Richard Linklater, de Wes Anderson (e não só pelo Grand Budapest Hotel), de Paul Thomas Anderson, do que vamos estar a falar de A Teoria de Tudo ou de O Jogo da Imitação. Tal como já não nos lembramos hoje de A Paixão de Shakespeare, A Volta ao Mundo em 80 Dias, Miss Daisy e de Uma Mente Brilhante, Forrest Gump, Momentos de Glória ou O Meu Pé Esquerdo.
Os Óscares nunca reflectiram realmente o que de melhor se fez naquele ano, nem um qualquer consenso crítico ou público. Foram, e são, o reflexo de um sistema diplomático centrado no cinema anglo-americano e herdado dos velhos tempos do studio-system, que se dá ao luxo de ignorar filmes verdadeiramente notáveis, com personalidade e ambição (como, este ano, Vício Intrínseco ou Em Parte Incerta), em favor de obras bem-pensantes de “produção corrente” como A Teoria de Tudo ou Whiplash. Que não são maus filmes, atenção, só não são “os melhores filmes do ano” (mesmo que tenham lá dentro interpretações de excepção - um actor pode ser notável num filme pouco interessante, como prova este ano quase todo o elenco de Birdman).
A barragem mediática por parte dos bem rodados mecanismos de promoção de Hollywood é tal que é fácil acreditar nisso. Mas, à medida que vamos abrindo os olhos e vendo tudo o que se faz por esse mundo fora, começamos a perceber que, num momento em que o sistema hollywoodiano se remete cada vez mais ao blockbuster de linha de montagem ou ao filme de prestígio e não abre o espaço que já abriu, prémios “de indústria” como estes nem sequer representam o que de mais interessante se faz. Valem o que valem – e só têm a importância que lhes quisermos dar. Eu cada vez lhes dou menos – e enquanto se esquecerem de Vício Intrínseco para nomear Birdman, não vejo razão para mudar de ideias.