Um ano depois, Ucrânia e Rússia combatem também pela interpretação da guerra

Aniversário da queda de Ianukovich e da revolta da Maidan é pretexto para alimentar as visões divergentes dos acontecimentos do último ano. Combates em Debaltseve fizeram 179 mortos no lado ucraniano, segundo novo balanço oficial.

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Manifestação "Anti-Maidan" em Moscovo Sergei Karpukhin / Reuters
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O líder do grupo motard "Lobos da Noite", Alexander "Cirurgião" Zaldostanov, (esquerda) e o dirigente separatista Oleg Tsarev Dmitry Serebryakov / AFP
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Homenagem às cem vítimas do massacre na Praça da Independência em Kiev Valentin Ogyrenko / Reuters
Soldados ucranianos depois da retirada de Debaltseve
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Soldados ucranianos depois da retirada de Debaltseve Oleksander Ratushniak / AFP

Milhares de pessoas marcharam pelas ruas de Moscovo neste sábado, numa manifestação convocada para condenar aquilo que consideram ter sido um “golpe de Estado” no país vizinho. “O exemplo da Ucrânia ensinou-nos muito, e não permitiremos uma Maidan no nosso país”, disse à AFP um dos organizadores. Em alguns cartazes podiam ler-se frases como “Putinismo para sempre” ou “Maidan é uma doença, vamos tratá-la”.

A manifestação foi promovida por um grupo que se autodenomina “Anti-Maidan” – criado recentemente com o objectivo de impedir “revoluções coloridas” na Rússia, segundo o canal estatal russo Russia Today – e recebeu o apoio de várias organizações próximas do Kremlin, como a Rússia Jovem ou a Jovem Guarda do partido no poder, Rússia Unida.

Entre os participantes estavam o dirigente rebelde ucraniano Oleg Tsarev, que preside ao parlamento da Nova Rússia – a entidade territorial que une as duas regiões separatistas de Lugansk e Donetsk – e o líder do grupo motard russo Lobos da Noite, Alexander Cirurgião Zaldostanov, escreve a BBC.

Os media russos conotados com o Kremlin emitiram fortes apelos à participação na marcha sob o lema “Um ano de Maidan: Não esqueceremos, não perdoaremos!”. Os organizadores aguardavam a participação de dez mil pessoas mas, de acordo com a polícia moscovita, a estimativa foi largamente ultrapassada, com a presença de 35 mil manifestantes.

Em Kiev, milhares de pessoas concentraram-se na Praça da Independência na sexta-feira para assinalar o aniversário do dia mais sangrento das manifestações contra Ianukovich. A morte de 100 pessoas num só dia, abatidas pelas forças de segurança do Presidente, marcou a profunda reviravolta no país, com resultados que ainda hoje se fazem sentir.

Foi então que Ianukovich se viu obrigado a negociar com os líderes dos protestos, acabando por abandonar o país, deixando caminho aberto para as novas autoridades pró-ocidentais.

Na sexta-feira, o Presidente Petro Poroshenko acusou Vladislav Surkov, um conselheiro de Vladimir Putin, de ter organizado os “grupos de atiradores estrangeiros” responsáveis pelo massacre de 20 de Fevereiro.

179 mortos em Debaltseve

A homenagem ocorreu no final de uma semana trágica para a Ucrânia, que sofreu uma pesada derrota em Debaltseve, ponto estratégico na linha da frente dos combates contra os comandos pró-Moscovo. Mas se esta cidade era já um nome maldito para os ucranianos, agora será também sinónimo da maior derrota em termos de perdas humanas para Kiev no conflito que dura há dez meses. Durante um mês de combates, foram mortos pelo menos 179 soldados, revelou este sábado um conselheiro de Poroshenko.

Entre 18 de Janeiro e 18 de Fevereiro, data da retirada do exército ucraniano, 179 soldados foram mortos, 110 foram capturados e 81 permanecem desaparecidos, comunicou Iuri Biriukov, na sua página do Facebook.

A grandeza dos números contradiz a versão oficial de Poroshenko quando anunciou a saída de 2500 soldados de Debaltseve na terça-feira. Na altura, falou numa operação “planeada e organizada”. A cidade tinha uma grande importância estratégica para os dois lados do conflito, por ser o ponto mais avançado controlado por Kiev em território separatista e por ser um nó ferroviário que liga os dois bastiões pró-russos de Lugansk e Donetsk.

Apesar da assinatura dos acordos de Minsk que previam a entrada em vigor de um cessar-fogo, os confrontos entre as forças pró-governamentais e as milícias pró-russas têm continuado. A Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) detectou “bombardeamentos intensos na cidade de Donetsk”, para além de “um número limitado de violações do cessar-fogo na região de Lugansk” nos últimos dias.

As autoridades ucranianas contabilizaram mais de 300 ataques pelas forças rebeldes e denunciaram o envio pela Rússia de um novo contingente militar para a região de Mariupol – uma cidade portuária no Mar de Azov que é o principal reduto ucraniano nas regiões rebeldes.

 

Apesar da continuação dos combates, os dois lados devem dar este sábado um passo importante para o cumprimento dos acordos de Minsk. Cerca de 40 prisioneiros de cada lado devem ser trocados, incluindo alguns dos soldados capturados em Debaltseve, diz a AFP. “Esta troca foi muito difícil de organizar, há um mês e meio que trabalhamos nisto”, explicou a representante para os direitos humanos dos rebeldes, Daria Morozova.

Desde Março, o conflito no Leste da Ucrânia já fez mais de 5700 mortos, de acordo com dados da ONU – um balanço que a própria organização considera conservador, uma vez que o verdadeiro número de vítimas será bastante mais elevado.

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