Macbeth ou a sede insaciável pelo poder

Elisabete Matos e Àngel Òdena, protagonistas da produção do Macbeth de Verdi que se estreia no sábado no São Carlos, falaram dos imensos desafios das suas personagens.

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Elisabete Matos e Àngel Òdena são protagonistas da produção do Macbeth Carmo Sousa
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Tons escuros e o ambiente carregado de tensão, onde a maior parte das personagens se move como sombras, numa encenação da italiana Elena Barbalich Carmo Sousa
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A história da insaciável sede de poder orquestrada por Lady Macbeth é bem conhecida Carmo Sousa
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Lady Macbeth desencadeia uma espiral de violência de modo a eliminar todos os que podem vir a pôr em causa a profecia das bruxas Carmo Sousa
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Esta é a terceira vez Elisabete Matos faz o papel de Lady Macbeth Carmo Sousa
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“O sexo e a atracção são as duas faces da mesma moeda na relação deles”, diz o barítono Àngel Òdena Carmo Sousa
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Carmo Sousa
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Carmo Sousa

A direcção musical é de Domenico Longo e o elenco conta com a participação de Enzo Peroni (Macduff), Giacomo Prestia (Banco), Marco Alves do Santos (Malcolm), João Oliveira (Médico) e Bárbara Barradas (Aia de Lady Macbeth), entre outros. Com cinco récitas até dia 1 de Março, este é mais um dos títulos que Paolo Pinamonti recuperou para esta temporada na qualidade de consultor artístico, cargo que entretanto abandonou por incompatibilidade com a direcção do Teatro de La Zarzuela de Madrid. Entretanto, permanece o vazio na direcção artística do único teatro lírico português e a incógnita sobre a sua programação a partir de Junho.

Macbeth foi a primeira das três óperas de Verdi baseadas em peças teatrais de William Shakespeare, marcando um ponto de viragem na sua carreira. O carácter excepcional da sua fonte de inspiração, incluindo características pouco habituais na produção italiana da época (como as temáticas sobrenaturais, patentes nas bruxas, espíritos e aparições), levaram-no a tentar também escrever uma obra fora do comum. Em 1846 escrevia ao seu libretista Francesco Maria Piave: “Esta tragédia é uma das maiores criações do homem! Se não podemos fazer algo grande com ela, ao menos tentaremos fazer algo fora do comum.”

A história da insaciável sede de poder orquestrada por Lady Macbeth e a espiral de violência que desencadeia de modo a eliminar todos os que podem vir a pôr em causa a profecia das bruxas de que Macbeth será rei da Escócia é bem conhecida, constituindo um imenso desafio interpretativo para os cantores protagonistas, tanto ao nível técnico, como da psicologia das personagens. Esta é a terceira vez que Elisabete Matos faz o papel de Lady Macbeth, que a cantora descreve como “uma mulher que, mais do que maléfica, se pode considerar maquiavélica, pois é alguém que se deixa deslumbrar de tal forma pelo poder que não olha a meios para atingir os seus fins.” A cantora sublinha que é ela o fio condutor de toda a acção. “Tem ao seu lado Macbeth, que é um homem de uma personalidade um bocadinho mutante, mais débil. Há momentos em que ele não tem a força suficiente e é ela que tem que meter a mão na massa, para que ele consiga continuar. A sua grande força e temperamento têm de se reflectir em Macbeth, sendo o motor de todas as situações e não é em vão que chega ao final e enlouquece.”

A excitação com a possibilidade do poder está relacionado também com uma forte relação erótica. “O sexo e a atracção, por um lado, e a violência, por outro, são as duas faces da mesma moeda na relação deles”, diz o barítono Àngel Òdena. “O fascínio pelas várias formas de poder (territorial, económico e sexual) é muito actual e intemporal. Na época medieval era algo mais directo, agora está mais maquilhado, mas as questões são as mesmas”, refere o barítono.

Para além da exigência psicológica na construção da personagens, Lady Macbeth e Macbeth representam diferentes desafios vocais. Elisabete Matos explica que a personagem feminina é bastante complicada musicalmente e requer uma tessitura muito ampla. “Há momentos de coloratura, momentos de fortíssimo, momentos de grande extensão vocal. Mas Verdi é tão grande e Shakespeare tão grande que estão lá todos os ingredientes. É uma questão de traduzir em palco todas as nuances e mudanças de cor que já estão na partitura.”

No que diz respeito a Macbeth, Àngel Òdena diz que “há personagens de Verdi com um tessitura mais aguda para o barítono e com uma vocalidade mais difícil do que esta”, mas “como se trata de um papel muito longo exige uma grande resistência”. Esta é a sua segunda produção de Macbeth, mas está convencido de que até ao fim da carreira vai continuar a ter coisas para descobrir neste papel. O barítono catalão, que já contracenou com Elisabete Matos em várias produções em Espanha (como a ópera La Dolores, de Tomás Bretón, e o Lohengrin de Wagner) refere que se trata de uma personagem muito rica em detalhes que necessita de muito tempo de amadurecimento.

“Verdi tem óperas mais ‘belcantistas’ como é o caso da Traviata, do Rigoletto e Il Trovatore, mas o Macbeth é bastante diferente. Encontro pontos em comum entre o Iago (do Otello) e o Macbeth. Situo esta obra mais próxima de Otello ainda que tenha sido escrita bastantes anos antes. Verdi queria fazer algo diferente do que tinha feito até ao momento e uma das razões era o facto de partir de uma peça de Shakespeare.” Àngel Òdena diz que se dedicou a ver partes da peça teatral de Shakespeare no Youtube enquanto preparava o papel, o que lhe deu algumas ideias. No entanto, ao contrário do teatro em que o actor pode dosear os seus tempos de declamação, na ópera o tempo é dado pela música. “Tentei centrar-me muito no texto e na música de Verdi e a partir daí criar a personagem. Há um desenvolvimento em crescendo. No início a ideia de matar é ainda um pouco vaga para Macbeth, aparecem as bruxas e não sei bem o estão a dizer... Mas a partir daí tudo se vai enredando e a ansiedade torna-se cada vez maior.”

Também Elisabete Matos se preocupa sempre em conhecer as fontes literárias subjacentes a cada obra. “Tento sempre aproximar-me o mais possível, tanto da novela ou peça teatral original, quando existe, como de todo o ambiente do período em que se passa a acção. É preciso saber como mover-se, como reagir. Nós não somos mais do que meros intérpretes e temos o dever de investigar o mais possível. A beleza da nossa profissão é poder partir de uma base, mas depois poder recorrer vários caminhos.”

A cantora acaba de cantar Isolda em Toulouse — “um papel também dramático dificílimo mas que dá uma satisfação incrível, depois de fazer a Isolda poderia deixar de cantar!” — pelo que teve muito pouco tempo para fazer a transição para Lady Macbeth, mas esse não é o seu modo habitual de proceder. “Nunca tomei atitudes suicidas. O que me tem permitido cantar Verdi, Wagner, o verismo, a Turandot, etc... é o cuidado em dar sempre o intervalo de tempo certo entre as obras. Inclusivamente abordar uma obra dramática e depois voltar atrás para fazer algo mais lírico de modo a verificar se continuo com a flexibilidade desejável nesse repertório. É isso que permite avaliar se estou no caminho certo.” Um dos seus grandes desafios futuros será a sua primeira abordagem da Brünnhilde de A Valquíria, de Wagner. “Já fiz em versão de concerto o final do Crespúsculo dos Deuses, mas vou começar agora devagar com a totalidade do papel. Pouco a pouco iremos avaliar se virei a fazer toda a Tetralogia.” Quanto a Àngle Òdena irá fazer pela primeira vez o papel de Rigoletto em 2017 e conta regressar ao Don Carlo, outra ópera que o apaixona tal como todo o repertório de Verdi.

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