A reforma política vai finalmente avançar

O novo presidente da Câmara dos Deputados avocou uma proposta de emenda constitucional parada há mais de um ano e relançou a reforma política. Para lá de ineficientes, as regras da política no Brasil são consideradas um foco endémico de corrupção.

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O financiamento é um dos temas que mais divide os partidos no Congresso brasileiro Mauricio Lima/AFP

Os pontos em discussão na proposta, que vão desde o fim do voto obrigatório à alteração do modelo de financiamento das campanhas, passando por uma mudança no sistema eleitoral, prometem acesas disputas entre os deputados. Mas a discussão e algumas mudanças parecem irreversíveis. “Eu já disse e queria repetir: ou nós reformamos a política ou todos seremos, literalmente, reformados”, disse na semana passada o presidente do Senado, Renan Calheiros.

A proposta, que teve como relator um deputado do PT, no poder, resulta de um consenso mínimo entre as forças políticas. Mas nem esse consenso foi capaz de impulsionar a discussão parlamentar da proposta, que passou um ano parada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Desta vez, porém, o processo arrancou porque o novo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, do PMDB, o principal aliado político do PT, decidiu avocá-lo e passar por cima das hesitações da Comissão de Constituição e Justiça. A decisão de Eduardo Cunha foi contestada pelo PT e pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), mas a decisão do presidente da câmara acabaria por ser aprovada pela maioria dos deputados.

A tentativa de bloqueio do PT a uma proposta cujo relator foi um deputado da sua bancada levou o PSDB, principal força da oposição, a acusar o partido de Dilma de ter uma “fixação” no tema do financiamento público de campanha. “Deve ser trauma do mensalão e do petrolão”, acusou o deputado Marcus Pestana, numa referência a dois escândalos de corrupção nos quais estão envolvidos altas figuras do PT e dos seus anteriores governos.

O financiamento partidário é uma das questões que mais divide os partidos. Para o PT, todo o financiamento devia ser público, enquanto os partidos mais ao centro, incluindo o PMDB, defendem soluções mistas. A proposta aponta para a possibilidade de haver financiamentos de todas as origens. Entre as principais emendas está também o fim do voto obrigatório, a extinção da possibilidade de o presidente da federação, dos governadores estaduais e dos prefeitos (presidentes de câmara municipal) serem reeleitos para um segundo mandato consecutivo. Há nesta proposta um regresso ao texto original da Constituição de 1988, que só permitia uma eleição. Essa limitação foi alterada a tempo de permitir a reeleição do presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1998.

Outro dos temas que mais promete polémica está relacionado com as leis eleitorais. Para começar, a proposta aponta para a criação de círculos mais pequenos (actualmente têm por base os estados e há estados, como o Pará, que é duas vezes maior do que a França), de modo a aproximar os eleitores e os eleitos. Mas a principal revolução é a obrigatoriedade de os partidos fazerem coligações pré-eleitorais que terão de ser mantidas depois das eleições. A prática actual permitia que, por exemplo, o PMDB se coligasse num estado com o PT e em outro estado com o seu principal adversário.

Como a eleição de deputados se fazia com voto proporcional em lista aberta (ou seja, os eleitores votavam no deputado A e, depois de o elegerem, todos os votos sobrantes eram transferidos para outros deputados da lista), os donos dos mandatos eram mais os próprios deputados do que os partidos. Esta possibilidade tornava difícil a formação de maiorias na câmara e era um dos principais focos do “fisiologismo”, ou seja a “compra” do voto dos deputados pelo partido do poder. Num Congresso pulverizado por dezenas de partidos, a necessidade de formar maiorias origina permanentes jogos de tráfico de poder entre deputados e partidos e, concluem todos os especialistas, tornou-se um foco endémico de corrupção.

A proposta de emenda prevê que as coligações pré-eleitorais se mantenham no Congresso, exige uma votação mínima para a eleição dos deputados, obriga-os a exercer funções em partidos novos após uma espera mínima de seis meses e limita o acesso aos tempos eleitorais a partidos que obtiveram no mínimo 5% dos votos nas eleições legislativas. Uma pequena revolução que promete gerar muita polémica no futuro próximo da política brasileira.

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