Esquerda, direita, alto, baixo
Da mesma forma que a esquerda precisa de encontrar um bom discurso económico, a direita precisa de encontrar um bom discurso social.
Todos nós – eu incluído – assentamos o nosso discurso em cima do eixo esquerda/direita, que continua a ser absolutamente dominante no espaço público. E, no entanto, quando vemos o Syriza aliar-se a um partido de extrema-direita para formar Governo e Marine Le Pen a apoiar publicamente Alexis Tsipras, somos obrigados a repensar as nossas convicções, até porque há um duplo movimento na aproximação destes partidos ao poder que não pode ser desprezado: não é só o eleitorado que se está a deslocar para os extremos; são também esses partidos que suavizam o seu discurso, aproximando-se do centro. A Frente Nacional de Marine Le Pen já não é a Frente Nacional de Jean-Marie Le Pen, e Alexis Tsipras tem muito poucas parecenças com Che Guevara ou com o camarada Arnaldo Matos.
Nesse sentido, talvez valha a pena introduzir na equação um segundo eixo político, ao qual podemos simplesmente chamar alto/baixo, mas que já não se confunde com a velha luta de classes marxista, cujo lastro histórico nos faz ainda hoje confundir, de uma forma que me parece já absolutamente ilegítima, a direita com os ricos e a esquerda com os pobres. Neste novo “alto” poderíamos incluir tanto a habitual casta económica e política, como os detentores de privilégios corporativos, os burocratas que dificultam a livre iniciativa ou os especialistas na arte de fugir aos impostos; enquanto no novo “baixo” poderíamos colocar não só os pobres, mas também os reformados que se sentem espoliados, os jovens que nunca conseguiram um emprego, e todos aqueles que vêem a sua ascensão social dificultada pelas mais variadas redes de interesses que dominam os estados contemporâneos.
Ora, é precisamente porque este novo alto/baixo não só se deixou de identificar com as categorias tradicionais esquerda/direita, como se tornou o eixo politicamente mais poderoso em tempos de crise, que Tsipras conseguiu chegar ao poder e construir com tanta facilidade uma coligação com os Gregos Independentes. Não é porque os extremos necessariamente se tocam, mas porque o discurso de ambos no eixo alto/baixo – combate à austeridade e aos interesses corporativos, recusa do modo tradicional de fazer política – é, efectivamente, convergente. E é também aqui, neste ponto, que Tsipras deve ser levado muito a sério, e que o look motard de Varoufakis deve ser considerado muito mais do que um fait-divers.
Convém ter presente que ninguém chega ao poder sendo completamente estúpido ou sem ter razão em assunto algum. As ideias políticas do Syriza no eixo esquerda/direita são bastante tontas, e a atitude de pedinte furibundo, zangado nos dias pares e de mão estendida nos dias ímpares, não se recomenda a ninguém. Mas, no eixo alto/baixo, o Syriza tem muita razão. Aquilo que o eleitorado grego, espanhol ou francês está a demonstrar é um descontentamento mais do que legítimo em relação a um sistema que tem produzido desigualdades profundas e protegido as mais lamentáveis castas. E a justeza dessas críticas não pode ser ignorada. Da mesma forma que a esquerda precisa de encontrar um bom discurso económico, a direita precisa de encontrar um bom discurso social – um discurso sólido de “direita baixa”, que impeça a esquerda de reclamar o eterno exclusivo do combate à injustiça e à desigualdade.