Ministra diz que custa ver "pai fundador" do PS dizer a um juiz que "se cuide"
Ministra referiu-se às declarações de Mário Soares para explicar por que teme pela separação de poderes se o PS ganhar as eleições.
“Quando se permite fazer aquilo a que vou chamar, a benefício de muita contenção, um aviso a um juiz, quando se fala na polícia única, na junção de ministérios, é óbvio que temo, porque essas declarações revelam que não se interiorizou a separação de poderes”, diz Paula Teixeira da Cruz, na entrevista.
A posição da ministra a propósito do artigo de opinião de Soares no Diário de Notícias já tinha sido divulgada pelo jornal i antes da publicação da entrevista na íntegra, o que levou a ministra a explicar-se, em declarações aos jornalistas, nesta sexta-feira, de forma menos contida.
No artigo, Soares referiu-se à prisão preventiva aplicada a José Sócrates e questionou os motivos da detenção do ex-primeiro-ministro, criticando as decisões do juiz de instrução criminal e escrevendo: “O juiz Carlos Alexandre que se cuide”. No final de um debate na Assembleia da República, nesta sexta-feira, a ministra comentou o artigo afirmando ter assistido “a declarações do fundador do Partido Socialista condicionando claramente o magistrado” Carlos Alexandre. E acrescentou: “Com várias declarações que todos temos ouvido de vários responsáveis do Partido Socialista sobre concretos casos, eu penso que é de facto de recear uma limitação da separação de poderes”.
No mesmo dia, o deputado do PS Jorge Lacão lamentou as afirmações da ministra, que, disse, “tem obrigação de saber que o PS é um partido estruturante da ordem constitucional portuguesa, que corresponde a um Estado de Direito democrático”. “O doutor Mário Soares não faz hoje nem faz há muitos anos parte dos órgãos dirigentes do PS, portanto, as afirmações do doutor Mário Soares comprometem o doutor Mário Soares”, disse.
Na quarta-feira passada, também a associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) comentou as declarações do ex-Presidente da República sobre o juiz Carlos Alexandre, considerando que se tratou de uma “ameaça” ao magistrado que ordenou a prisão preventiva de José Sócrates. “Os juízes portugueses não podem silenciar a ameaça hoje [terça-feira] proferida ao juiz Carlos Alexandre”, escreveu a direcção da associação, num comunicado. Questionado pelo PÚBLICO, o presidente da ASJP, Mouraz Lopes, disse que, “como é lógico e evidente lendo a lei”, as declarações de Soares poderão eventualmente configurar um crime de coacção sobre um titular de um órgão de soberania.