Admito que, ao ler no suplemento ípsilon, de sexta-feira, dia 23 de Janeiro, uma peça sobre o Museu Berardo com um título oscilante – nas capas, “O tempo no Museu Berardo” e, na página 4, “Museu Berardo, o ano da bomba-relógio” – pensei que a sua autora estava a aceder àquele meu já velho pedido, não me atribuindo “responsabilidades” de nenhuma espécie no assunto em causa.
Toda a parte inicial da peça é dedicada à questão das difíceis negociações que conduziram à criação do Museu Colecção Berardo. São entrevistados, para além do comendador Berardo, um crítico e curador, na altura assessor do primeiro-ministro José Sócrates, o actual director do Museu Berardo e ainda um ex-director do Museu de Serralves.
A autora da peça não achou necessário falar com quem tinha a “responsabilidade” da pasta da Cultura à época – eu própria – e que teve a “responsabilidade” de quebrar o impasse, a que também se alude, que desde 1990 rodeava este dossier. Na verdade tive ainda a “responsabilidade” de negociar com o comendador Berardo o acordo a que em poucos meses se chegou para por de pé a parceria público-privada que o Museu constitui.
E tive essa “responsabilidade” pese embora o que declara em contrário o ex-assessor do primeiro-ministro ouvido quando afirma que a negociação foi feita pelo gabinete de José Sócrates, o que, para bom entendedor, vale por ele próprio. Não foi. Foi da minha “responsabilidade” essa negociação, como aliás foi amplamente divulgado à época pelo PÚBLICO que fez parte da opinião publicada, e não tanto pública, como se diz na peça, que contestou o acordo.
Claro que o comendador Berardo, como lhe cabia, tentou negociar directamente com primeiro-ministro, pressionou q. b. no sentido de fazer valer a força do argumento – se não ponho a colecção no exterior. Claro que a última palavra na negociação coube, como sempre deve caber num dossier de elevado melindre, ao primeiro-ministro mas a “responsabilidade” na negociação dura, minuciosa, com avanços e recuos, aproximações e distanciamentos e a “responsabilidade” nos termos do acordo gizado foram minhas e do meu gabinete e ninguém melhor para o confirmar que o próprio comendador Berardo.
O que acontece é que hoje aquilo que para alguns meios, nomeadamente artísticos, era um mau acordo, prejudicial para a arte, a cultura, o CCB e as finanças públicas revelou-se um instrumento capaz, independentemente das suas limitações, de fazer com que durante dez anos fosse possível a muitos milhares de portugueses tomar gratuitamente contacto direto com e usufruir de uma colecção de arte moderna e contemporânea ímpar e única no meio artístico nacional. Isto é, foi possível por ao serviço público uma colecção privada. Ou dito de um outro ângulo, foi possível fazer boa política pública de cultura.
Esta parte da história das “responsabilidades” de quê e de quem não contará quando se pretende falar de “O Tempo no Museu Berardo”? O facto é que, quando se avalia positivamente as consequências da acção dos políticos, um certo jornalismo tende a não “responsabilizar” positivamente os políticos que a corporizaram. É pena, no caso vertente, para além da verdade, as políticas públicas de cultura não ganham com isso.
Acredito que os leitores do PÚBLICO gostariam de conhecer este sintético esclarecimento, pelo que sugiro a sua publicação.
Ex-ministra da Cultura
N.R.: Cabe esclarecer que é a autora do texto, e não Alexandre Melo, quem afirma que a negociação com Berardo foi feita pelo gabinete de José Sócrates. Em rigor, deveria ter-se explicado que a instalação do museu no CCB foi uma solução superiormente decidida pelo gabinete de José Sócrates com Joe Berardo, cabendo as posteriores negociações ao Ministério da Cultura.