Nancy Reagan negou ajuda a Rock Hudson meses antes de o actor morrer de sida
O actor teve um colapso em França e o seu agente pediu ajuda à Casa Branca.
Rock Hudson escondeu a sua homossexualidade quase até ao fim da sua vida, assim como foi já no final, já debilitado, que falou publicamente sobre a doença que lhe tinha sido diagnosticada em 1984. Foi em Julho de 1985, o galã dos melodramas de Douglas Sirk e das comédias românticas com Doris Day dos anos 1950/60 estava internado num hospital de Paris e decidira contar tudo, numa altura em que a sida era ainda uma doença praticamente desconhecida.
A atitude corajosa pôs os Estados Unidos a falar de uma doença que até então tentava ignorar, associando-a à comunidade gay. Mas não lhe valeu, no entanto, soube-se agora, o apoio da Casa Branca, então às mãos de Ronald Reagan. O actor era amigo de longa data do casal presidencial e procurava ajuda para obter um tratamento experimental que, na altura, só estava disponível em França. Mas a ajuda foi negada pela primeira-dama Nancy Reagan.
A história foi revelada pelo Buzzfeed, que teve acesso a um telegrama enviado pelo agente de Rock Hudson, Dale Olson, à Casa Branca. Hudson estava então internado num hospital americano em Paris, depois de ter tido um colapso ao chegar à capital francesa, onde procurava saber mais sobre o tratamento experimental ao vírus com HPA-23 – um fármaco que não estava disponível nos Estados Unidos.
Dale Olson recorreu à Casa Branca para poder acelerar a transferência de Rock Hudson para o hospital militar, onde seria visto por Dominique Dormant, um médico militar que, no passado, e em segredo, já tinha tratado o actor. O comandante do hospital em questão tinha negado a admissão de Hudson, por este não ter cidadania francesa, mas o agente acreditava que uma acção da Casa Branca “poderia fazê-lo mudar de ideias”.
No telegrama, até agora perdido entre as pilhas de papéis da Administração Reagan, disponíveis na Ronald Reagan Presidential Foundation and Library, Olson pede ajuda à Casa Branca, explicando que só aquele hospital poderia salvar a vida do actor ou pelo menos aliviar a sua doença.
Um telefonema para o hospital era o que o agente de Rock Hudson pedia à Casa Branca, mas, em resposta, levou uma nega. “Falei com a Sra. Reagan sobre o telegrama em anexo. Ela não acha que isto seja algo em que a Casa Branca se deva meter”, escreveu o funcionário da Casa Branca Mark Weinberg, acrescentando que a primeira-dama tinha concordado com a sua sugestão de reencaminhar a questão para a embaixada dos Estados Unidos em Paris.
Ao Buzzfeed, Weinberg disse lembrar-se ainda hoje do que aconteceu nesse dia. Conta ter falado imediatamente com Nancy Reagan: “Sabia que os Reagans conheciam Rock Hudson, obviamente dos seus anos em Hollywood, e por isso decidi falar com ela”. Disse-lhe que tinham de ser justos e tratar o actor como qualquer outra pessoa. “Aquilo referia-se a um tratamento especial a um amigo ou a uma celebridade. Resumia-se tudo a isso. Nada tinha a ver com a sida”, defendeu Weinberg ao site norte-americano, admitindo, no entanto, a fraca resposta da Administração de Ronald Reagan, que levou tempo a encarar a sida como uma epidemia que exigia um trabalho de informação clara e de investigação médica e científica séria e sustentada.
“Os Reagans sempre se preocuparam em não abrir excepções a pessoas só por serem amigos ou celebridades. Eles não eram disso. Tratavam todos da mesma forma. O que aconteceu foi: ‘Bem, temos muita pena, lamentamos muito’. E ela lamentava mesmo, os dois estavam tristes pela condição de Rock”, acrescenta ainda Mark Weinberg.
Ouvido pelo Buzzfeed, Peter Staley, activista membro da associação de luta contra a sida Act Up e fundador do Treatment Action Group, não aceita o argumento de que o casal presidencial não queria apenas dar um tratamento preferencial a um amigo. “Parece estranho que os Reagans usem essa desculpa, uma vez que fizeram várias vezes favores aos seus amigos de Hollywood durante os anos na Casa Branca”, defendeu o norte-americano, lembrando a relação do então Presidente com Bob Hop, um dos artistas mais populares dos Estados Unidos e que morreu em 2003 aos 100 anos. “Tenho a certeza que, se tivesse sido Bob Hope a estar no hospital com algum cancro raro ou incurável, o Air Force One teria ido salvá-lo. Não há como fugir do facto de que deixaram Rock Hudson a morrer. Assim que ele apanhou aquela assustadora doença homossexual, tornou-se tão indesejado como nós”, defendeu ainda Peter Staley, também ele com sida.
Os documentos mostram que o actor acabou por ser admitido no hospital militar pouco depois da troca de telegramas. Mas a mudança aconteceu depois da intervenção do ministro da Defesa francês Charles Hernu.
A doença já tinha então progredido bastante e o tratamento experimental a que Rock Hudson se queria submeter já pouco efeito teria. O actor decidiu então voltar a Los Angeles, onde ficou internado. Morreu pouco depois, a 2 de Outubro, a um mês de completar 60 anos.
A sua morte ganhou um dramatismo e um mediatismo que ajudaram finalmente os responsáveis políticos e a sociedade a encararem a sida como um assunto sério.
Os 250 mil dólares que Rock Hudson doou à National Aids Research Foundation (NARF), bem como as receitas da sua autobiografia póstuma, mobilizaram uma campanha de sensibilização pública para a nova epidemia. E mais ainda quando a ela se associou a actriz Elizabeth Taylor – uma grande amiga do actor, desde que com ele contracenou em O Gigante (1956), filme que lhe valera a única nomeação para o Óscar numa carreira de mais de 70 filmes e algumas populares séries televisivas.
Mas foi só em 1987, dois anos depois da morte do actor, e de mais de 21 mil outros americanos, é que Elizabeth Taylor "conseguiu" que Reagan pronunciasse a palavra AIDS [sida] em público, e que o investimento público fosse finalmente aumentado.
Em 1991, Elizabeth Taylor fundou a American Foundation for AIDS Research (AmFar), tendo ficado como uma das primeiras figuras públicas a falar sobre a doença, angariando, ao longo dos anos, milhões de dólares para ajudar no combate à doença.