É voz corrente dizer-se que o Sport Lisboa e Benfica tem cerca de 6 milhões de adeptos em Portugal. Apesar de essa ser uma estatística não verificada, a verdade é que o Benfica é, claramente, o clube com mais adeptos no país. A afluência aos estádios nos jogos do Benfica, seja em que terra for, é um bom exemplo dessa realidade.
Tal facto costuma ser motivo de orgulho benfiquista (diga-se, de passagem, que não entendo bem porquê: é que a valia de um clube desportivo mede-se pelo seu sucesso desportivo, não pelo número de adeptos ou associados). Porém, esse mesmo facto devia ser motivo de vergonha nacional: é que este dado estatístico é uma consequência directa da história de Portugal, nomeadamente do Estado Novo, e é um espelho do nosso atraso civilizacional e da nossa doença centralista.
Salazar foi um ditador tacanho e provinciano que sempre temeu o desenvolvimento urbano e industrial da nação, pois temia a formação de movimentos operários. À custa desse temor, condenou o país a um atraso civilizacional, deixando apenas que se vissem vislumbres de urbanismo em Lisboa. O resto do país era paisagem rural.
É essa assimetria entre Lisboa e o resto do país, associada aos consequentes sucessos desportivos do Benfica durante os anos 60, que faz de Portugal um caso de estudo na Europa: é que não há, nos outros países da Europa civilizada, tal concentração de adeptos num só clube.
Nos outros países da Europa, mesmo nos pequenos, as pessoas são adeptas do clube da terra onde nasceram. Nasceu em Bruges, é do Club Brugge K.V., nasceu em Eindhoven é do PSV (nunca do Ajax). Nos grandes, então, nem se fala: nasceu em Valência, é do Valencia Club de Fútbol, nasceu em Birmingham, é do Aston Villa Football Club. Não passa pela cabeça de nenhum marselhês defender o Paris Saint-Germain, é expatriado o catalão que defenda as cores do Real Madrid, é cunhado de louco o nado em Liverpool que suporte o Arsenal FC, é condenado ao degredo o napolitano que defenda o AC Milan.
Entusiasmo pela terra
Em Portugal, tristemente, é fácil ver bracarenses, flavienses, vimaranenses, farenses, leirienses, conimbricenses ou até (imagine-se) portuenses, a defendem as cores do grande da capital em vez de defenderam as cores dos seus clubes locais. Felizmente, em Braga e em Guimarães há um renovado entusiasmo com os clubes da terra (o que aponta na direcção do que sempre devia ter acontecido) e, no Porto, os benfiquistas sempre foram uma minoria.
Enfim, nunca nos podemos esquecer que todos os clubes são regionais, locais. Essa é a sua natureza, esse é o seu racional. Até os nomes costumam ser elucidativos: Sport Lisboa e Benfica. É o clube desportivo de um bairro/freguesia da cidade de Lisboa. Por que diabo deve um vila-condense exaltar essa freguesia Lisboeta? Futebol Clube de Porto. É um clube de futebol da cidade do Porto. Por que raio há de um aveirense defender o FC Porto antes do defender o Beira-Mar?
Sei bem que o sucesso de um clube consegue cativar aqueles que gostam de seguir os vencedores mais do que os da sua terra. Por isso, os clubes que vencem muito têm adeptos de todo o lado. Mas o dado mantém-se: o grau de concentração de benfiquistas em Portugal é uma excentricidade de que todos nos devíamos envergonhar.