Kepler-444: o sistema solar mais antigo com planetas rochosos
São cinco planetas cheios de particularidades, como serem mais pequenos do que a Terra e estarem todos quase em cima da sua estrela.
Revelada esta terça-feira em comunicado do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço, com pólos em Lisboa e no Porto, a descoberta tem outra particularidade ligada à longevidade dos planetas. O nosso sistema solar formou-se há cerca de 4500 milhões de anos, por isso o sistema solar onde se encontram os cinco planetas é 2,5 vezes mais antigo do que o nosso. E mesmo o Universo tinha, nessa altura, “apenas” 2600 milhões de anos.
O recorde anterior do sistema solar com planetas terrestres mais antigo pertencia ao Kepler-10, com 10.400 milhões de anos, a 564 anos-luz de distância de nós.
“Agora sabemos que planetas do tamanho da Terra se formaram ao longo dos 13.800 milhões de anos do Universo, por isso é possível que tenha havido condições para o aparecimento de vida desde muito cedo”, diz o primeiro autor do artigo científico que anuncia a descoberta, na última edição da revista The Astrophysical Journal, o astrofísico português Tiago Campante, da Universidade de Birmingham, no Reino Unido. Para Tiago Campante, citado no comunicado do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço, esta descoberta tem assim implicações profundas nas teorias de formação planetária.
“A descoberta de um sistema com planetas do tipo terrestre tão antigo como o Kepler-444 confirma que os primeiros planetas se formaram muito cedo na vida da nossa galáxia, o que nos dá uma indicação de quando terá começado a era da formação planetária”, acrescenta o arménio Vardan Adibekyan, da Universidade do Porto e também do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço, do qual fazem parte outros dois elementos da equipa, Nuno Santos e Sérgio Sousa.
“Nunca tínhamos visto nada assim: é uma estrela tão antiga e o grande número de planetas torna-a muito especial”, sublinha outro autor do artigo, Daniel Huber, da Universidade de Sydney (Austrália), num comunicado desta instituição. “É extraordinário que um sistema de planetas terrestres tão antigo se tenha formado quando o Universo estava apenas no início, com um quinto da idade actual. Estamos em melhores condições de compreender exactamente quando é que este tipo de planetas começou a formar-se”, acrescenta Daniel Huber.
Muito se tem avançado na descoberta de planetas noutros sistemas solares, ou planetas extra-solares ou, ainda, exoplanetas. O primeiro foi detectado em 1995, por Michel Mayor e Didier Queloz, do Observatório de Genebra (Suíça), em redor da estrela Pégaso 51, a 50 anos-luz de distância de nós. Era um gigante composto por gases, com metade do tamanho de Júpiter e muito perto da sua estrela, e muitos dos que se lhe seguiram eram também monstros gasosos.
O número actual de planetas extra-solares é impressionante: 1885, indo desde gigantes gasosos a pequenos rochosos. Neste último caso, as suas superfícies são firmes como as Mercúrio, Vénus e a Terra, e não gasosas como Júpiter ou Saturno.
Um sistema compactado
Além de rochosos, os planetas do sistema Kepler-444 são mais pequenos do que a Terra e contêm menos massa. Têm um tamanho entre Mercúrio e Vénus. Não sendo isto já propriamente inédito, não deixa de ser raro.
Foram descobertos com o telescópio espacial Kepler – lançado pela agência espacial norte-americana NASA em 2009 e que entretanto deixou de funcionar –, através do método dos trânsitos. A presença de um planeta em órbita de uma estrela é detectada quando passa à frente dela. Rouba-lhe regularmente um pouco de brilho, denunciando que está ali.
Mas o método dos trânsitos tem limitações: só permite determinar o tamanho dos planetas em relação ao da estrela. Para determinar a dimensão dos próprios planetas, a equipa virou-se então para o estudo das características físicas da estrela, utilizando a técnica de astro-sismologia, ou sismologia estelar. Tal como as diferentes vibrações de um sismo permitem estudar o interior da Terra, as oscilações observadas à superfície de uma estrela, provocadas pela propagação de ondas acústicas, podem ser usadas para conhecer a sua estrutura interna, composição, idade, tamanho e massa.
Desta forma, a equipa concluiu que a estrela do sistema Kepler-444 é uma anã laranja, ligeiramente menor do que o Sol e com cerca de 5000 graus Celsius à superfície (o nosso Sol tem pouco menos de 6000 graus). A partir daí, a equipa inferiu ainda a massa dos planetas que a orbitam. E se um planeta tem uma massa como Mercúrio ou Vénus, então deverá ser rochoso.
“Quando a astro-sismologia surgiu há cerca de duas décadas, só podia ser usada no Sol e em poucas estrelas brilhantes. Com o [telescópio] Kepler, pudemos aplicar esta técnica a milhares de estrelas”, diz Daniel Huber. “A astro-sismologia permitiu-nos medir de forma precisa os raios do sistema Kepler-444 e, com isso, o tamanho dos planetas. Medimos o raio do planeta mais pequeno, que é ligeiramente maior do que Mercúrio, com um grau de incerteza de apenas 100 quilómetros.”
As curiosidades do Kepler-444 não acabam aqui: os cinco planetas estão muito próximos da anã laranja, tão próximos que as suas órbitas se situam mais perto da estrela do que Mercúrio está do nosso Sol. Por essa razão, completam uma volta à anã laranja em dez dias ou ainda menos. O que leva ainda a dizer que este sistema solar, além de ser o mais antigo composto por planetas terrestres, está bastante compactado.
Embora os planetas sejam certamente bastante inóspitos, devido às temperaturas e radiação elevadas e falta de água líquida, o epílogo tão ambicionado desta procura está um pouco mais próximo, considera Daniel Huber: “Estamos um passo mais perto de encontramos o Santo Graal dos astrónomos – um planeta do tamanho da Terra com uma órbita de um ano à volta de uma estrela semelhante ao nosso Sol.”