O Pacto de Estabilidade e Crescimento não mudou, e, no entanto, moveu-se

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Jucker prometeu várias mudanças FREDERICK FLORIN/AFP

Durante vários anos, o debate na União Europeia (UE) em matéria de equilíbrio das finanças públicas dividiu profundamente a direita e a esquerda. Não sobre a necessidade de os seus Estados em geral e os membros do euro em particular manterem contas equilibradas: ao contrário do que certa direita quer fazer crer, os socialistas nunca foram contra a consolidação das contas públicas. O que nos divide e aí, sim, profundamente, é o modo de o fazer.

Para alguma dessa direita, a simples correcção dos défices orçamentais é só por si suficiente para criar as condições para o regresso do crescimento económico. Se dúvidas houvesse, a realidade dos últimos anos desmente bem essa crença: a média dos défices dos países da zona euro desceu de 6,1 % do PIB em 2010 para 2,6% em 2014, mas o crescimento económico permanece anémico. Pior: a Europa está em risco de entrar num longo período de estagnação e é aliás a única zona do mundo que permanece em crise mais de 6 anos depois do colapso do banco Lehman Brothers.

Um ajustamento centrado apenas na redução acelerada do défice que não seja acompanhado de um robustecimento das bases em que assenta a competitividade da economia, não gerará mais do que uma convergência meramente nominal, conjuntural e sem sustentabilidade.

É por isso que o debate tem de abandonar a dicotomia primária do consolidar ou não as contas, para incidir sobre o ritmo, dimensão e componentes do ajustamento na trajectória de consolidação. De pouco serve uma consolidação que deixa os estados com o tecido económico e social completamente destruído.

Esta é a nossa crítica fundamental à abordagem que tem sido seguida nos últimos anos na Europa.

Hoje é amplamente reconhecido que o ajustamento imposto pela anterior Comissão Europeia de Durão Barroso e Olli Rehn, apoiada pela maioria conservadora do Conselho Europeu, foi excessivamente rápido e brutal, com a agravante de ter sido reforçado por estranhas concepções moralistas que dividiram os países em virtuosos (os credores) e pecadores (os devedores), sofrendo os últimos, como parte do processo de ajustamento, uma supostamente merecida punição.

Na revisão do PEC que teve lugar entre 2011 e 2013, a esquerda no PE conseguiu introduzir nos textos legislativos (conhecidos por Six Pack e Two Pack) margens de flexibilidade - leia-se de racionalidade económica - para garantir, entre outros aspectos, que os ritmos de ajustamento impostos aos países em défice orçamental excessivo pudessem ser ajustados à sua situação económica específica.

A anterior equipa da Comissão Europeia optou por não reconhecer nem utilizar estas margens de flexibilidade. Paradoxalmente, e perante o incumprimento das metas de ajustamento por parte de diversos países, essa mesma Comissão não teve alternativa senão ir alterando essas metas e /ou os correspondentes prazos, embora o tenha feito de forma muito pouco transparente e sob a capa de grandes concessões políticas, recusando assumir aquilo que de facto era: a aplicação pura e simples da legislação na sua totalidade.

A nova Comissão de Jean-Claude Juncker decidiu finalmente fazer agora o que a sua antecessora sempre recusou: usar as margens de flexibilidade contidas no PEC.

Para esta mudança contribuiu a visão democrata-cristã e, consequentemente, mais social, do novo presidente, o facto de Olli Rehn ter sido substituído por um comissário socialista, Pierre Moscovici, e a pressão da Itália, país que, apesar de ser a terceira economia da zona euro, se debate com muitos dos problemas típicos dos parceiros da periferia.

As regras do PEC foram agora interpretadas numa comunicação da Comissão: o ritmo do ajustamento deixa de ser uma trajectória cega passando a ser adaptado ao ciclo económico de cada país, o que é do mais elementar bom senso. Em situações económicas extremas, aliás, não será exigido qualquer ajustamento. Se esta flexibilidade tivesse sido aplicada em tempo útil, a recessão económica na Europa, e em Portugal, teria certamente sido bem menos severa.

O impacto orçamental das reformas estruturais potenciadoras de crescimento económico também não será contabilizado para efeitos do PEC - o que significa que mesmo que tais reformas provoquem uma alteração da trajectória fixada em termos de ajustamento orçamental, não implicarão uma obrigação de correcção imediata do desvio.

O investimento estratégico também beneficiará do mesmo tipo de tratamento e neste conceito inclui-se o investimento nacional em projectos financiados pelos fundos estruturais de apoio às regiões mais desfavorecidas da UE.

Infelizmente, este tipo de flexibilidade só se aplicará, por agora, aos países que não estão em situação de "défice excessivo" (superior a 3% do PIB), o que deixa por enquanto Portugal de fora. Alargar a flexibilidade a estes países será um dos nossos próximos combates.

A interpretação da flexibilidade operada pela Comissão Europeia ainda não é a reforma profunda que defendemos para transformar o PEC num instrumento inteligente de governação da zona euro. Mas é um primeiro pé que colocamos na porta para podermos, finalmente, começar a corrigir os erros do passado. Estas alterações "interpretativas", conjugadas com a iniciativa para o investimento Europeu (Fundo Juncker) e articuladas com as recentes decisões de Mario Draghi à frente do Banco Central Europeu, parecem estar finalmente a trazer um pouco do absolutamente necessário oxigénio à Europa... Já era tempo, mesmo se ainda está muito por fazer.

Elisa Ferreira, eurodeputada, coordenadora dos socialistas europeus na comissão dos assuntos económicos e monetários do Parlamento Europeu

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