Vazio de poder do Iémen faz temer o regresso da guerra

As demissões do Presidente e do governo atiraram o país para uma situação de incerteza que poderá beneficiar a Al-Qaeda.

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Apoiantes do movimento Ansaruallah desfilaram em Sanaa Khaled Abdullah / Reuters

Apesar de desde Setembro controlar partes da capital, o movimento Ansaruallah aumentou a pressão sobre Hadi e, nos últimos dias, registaram-se mesmo episódios de alguma violência em Sanaa. O palácio presidencial foi tomado na terça-feira, mas as forças milicianas garantiram que o Presidente não tinha sido derrubado e, no dia seguinte, vieram a público notícias de que um acordo tinha sido alcançado.

Por trás da decisão de Hadi está uma crescente frustração do Presidente eleito em 2012 que nos últimos meses tem assistido à tomada do poder pela milícia, incluindo sobre o exército. “Quero pedir perdão pessoalmente a todos vocês, ao parlamento e ao povo iemenita agora que chegámos a um beco sem saída”, escreveu o líder demissionário numa carta dirigida ao presidente do parlamento. Este domingo, o parlamento reúne numa sessão extraordinária para “debater os desenvolvimentos do país”, de acordo com a agência estatal Saba.

O Ansaruallah opõe-se ao projecto de Constituição que visa dividir o Iémen em seis regiões federais, um arranjo que deixaria Saada, a região no Noroeste de onde são provenientes os xiitas da tribo huthi, sem acesso ao litoral. Para além disso, o grupo quer uma maior representação da minoria xiita no parlamento nacional e noutras instituições.

A demissão de Hadi foi saudada pelo grupo e esta sexta-feira, milhares de pessoas juntaram-se no centro de Sanaa com cartazes onde se lia “Morte à América, morte a Israel”, segundo a Reuters. No entanto, mesmo entre o grupo xiita parecem emergir alguns sinais de divergência quanto aos próximos passos.

Ainda na quinta-feira, um responsável do grupo propôs a criação de um conselho presidencial representativo. Abu al-Fishi, considerado um dos ideólogos do Ansaruallah, acrescentou, através da sua conta de Twitter, que a demissão de Hadi é o primeiro passo para “a segurança, a estabilidade, a tranquilidade e a prosperidade” do país de 26 milhões de habitantes.

Porém, a proposta foi rapidamente afastada por outro dirigente do grupo. “Até ao momento, nenhuma posição oficial foi adoptada em relação à demissão de Hadi e de Bahah”, disse Abdelmalek al-Ejr, através da mesma rede social.

Sem governo nem Presidente, o Iémen encontra-se num vazio de poder preocupante para o Ocidente. Washington – que tinha em Hadi um aliado na luta contra o terrorismo no Médio Oriente – tem adiado uma posição oficial sobre as demissões, apelando apenas “a todos os lados para evitarem a violência”. Os Estados Unidos apoiaram a subida de Hadi ao poder em 2012, depois da queda do regime de mais de três décadas de Ali Abdullah Saleh.

Os maiores receios agora são os de que o vazio de poder possa dar azo a uma guerra civil. “Estamos a olhar para uma divisão de facto do país e estamos a entrar num longo processo de negociação, mas podemos estar também a entrar numa guerra”, disse ao New York Times o analista do Instituto do Médio Oriente, Charles Schmitz.

Inseguras perante uma possível tomada do poder pelo Ansaruallah, quatro regiões do sul do país vieram garantir que rejeitam qualquer nova ordem proveniente de Sanaa e apenas irão responder ao círculo aliado de Hadi. Num contexto de conflito sectário do país, vários analistas apontam para o risco de ser a Al-Qaeda a maior beneficiada, através do apoio a grupos e tribos sunitas. É no Sul do Iémen que a Al-Qaeda na Península Arábica – considerada como o ramo mais activo e perigoso do grupo terrorista – está sedeada.

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