Estágios e liberalismo contranatura
Por oposição, secundarizou-se a educação e formação de adultos. Ignorou-se ainda a selectividade que deve existir nos apoios ao emprego, nomeadamente nos estágios, para evitar os seus “efeitos mortos” ou indesejados.
O objectivo governamental das medidas de apoio ao emprego deixou de estar, então, na criação de externalidades às empresas, de forma a facilitar a sua inserção em mercados mais qualificados, seja pela qualificação do capital humano, seja pelo fornecimento de melhores serviços de colocação.
Muito menos, ainda, os apoios foram dirigidos para ultrapassar as possíveis falhas de mercado existentes em determinados segmentos, nomeadamente em grupos onde as necessidades sociais são múltiplas, mas as procuras desses públicos não se apresentam como solventes.
Outro exemplo possível de aplicação estaria nas pequenas empresas com défices de tecnologia, organização e conhecimento das redes que alimentam os mercados internacionais.
Pagar salários às empresas, indiscriminadamente, generosamente, passou a ser a metodologia governamental. Ou, então, tarefa adicional, colocar os desempregados subsidiados em formações ocupacionais não qualificantes.
Em síntese, dois objectivos: transferir dinheiro para as empresas e endogeneizar fundos comunitários em despesa pública tida com subsídios de desemprego.
Na base deste comportamento, uma crença: que as políticas activas de emprego qualificantes e dirigidas para apoios a empregos protegidos são recursos mal gastos, pois apenas nas empresas, sem diferenciação, eles serão bem utilizados.
Para liberais, é caso para dizer que a primeira parte da desconfiança, nas políticas públicas, percebe-se sua lógica doutrinal. Já a segunda, é liberalmente contranatura, pois, naquele entendimento, quando o Estado subsidia factores produtivos, das empresas inseridas em mercados concorrenciais, distorce a análise de eficiências dos investidores e levo-os a erros dramáticos.
É no contexto deste liberalismo contranatura que se assistiu, recentemente, ao anúncio dos denominados estágios para quaisquer activos, desde que desempregados de longa duração.
Primeiro, não são estágios, porque a ocupação subsidiada não se justifica em qualquer qualificação prévia não exercida. São, sobretudo, salários generosamente subsidiados, genéricos e não dependentes de qualquer selectividade.
O resultado final não será a promoção de criação de emprego. Será, sobretudo, uma alteração da composição do emprego. As empresas substituirão emprego contratado, efectivo ou a prazo, pelos supostos estagiários, mas na prática empregos subsidiados, porque estes muito mais baratos. Haverá ainda uma pulsão menor para as modernizar as empresas, porque se baixam significativamente os encargos em trabalho. Por fim, os vínculos de trabalho serão muito mais precários.
Só com crescimento económico se criará mais emprego. Esta é a chave do problema da redução do desemprego e a solução que reduzirá o fenómeno migratório, de velhas e novas gerações.
Sem qualificação dos activos empregados, sem a promoção da modernização e internacionalização das pequenas e médias empresas e sem o apoio a mercados dirigidos à economia social e local, para alimentar procuras insuficientemente solventes, não se reduzirá sustentadamente o desemprego de longa duração, sobretudo activos desempregados menos jovens e qualificados. Economista/ISCTE Business School. Ex-presidente do IEFP