Há uma semana ficámos a saber que pretendia lançar o álbum em Março para coincidir com os seus 50 anos e com a retrospectiva artística de que irá ser alvo no Museu de Arte Contemporânea de Nova Iorque (MoMA). O facto de o disco ter ido parar ilegalmente à Internet fê-la mudar de ideias e aí está o nono álbum de originais, para já apenas em edição digital – o CD ou o vinil só em Março.
Nas primeiras declarações acerca do álbum, efectuadas através das redes sociais, não existe nenhum comentário ao sucedido. Faz sentido. Ela deseja que a forma como o álbum foi agora lançado não acabe por gerar mais interesse do que a obra em si, como tem sido norma nos últimos anos com muitos músicos de nomeada. A islandesa não tem que se preocupar.
Vulnicuraé feito de ambientes serenos, quase solenes, e uma arquitectura sonora ambiental onde as orquestrações sobressaem por entre climas digitais metalizados que são provocados, em grande parte, pelo músico-produtor venezuelano de 26 anos, Alexandro Ghersi, conhecido por
Arca.
Quando se soube que Arca (que tem dado nas vistas nos últimos tempos ao lado de FKA Twigs, uma das grandes revelação do ano passado com o álbum de estreia, e de Kanye West, para além de ter também trabalho a solo de grande valia, como o álbum Xen) e que o inglês Bobby Krlic, ou seja The Haxan Cloak, tinham estado a trabalhar com a islandesa, antecipámos que poderia ser um álbum de canções retorcidas e metalizadas, possuídas por sentido de experimentação.
Não está longe disso. Mas mesmo assim ficámos surpresos, porque a presença de Arca é mais subtil do que se poderia supor (vale a pena ouvir a excelente banda-sonora para um desfile de moda, intitulada Sheep, que lançou há dias na Internet) e essencialmente porque o todo resulta num álbum mais comunicativo, inteligível e transparente do que os anteriores Biophilia (2011), Volta (2006) ou Medulla (2004).
A veia exploratória contínua presente, mas ao serviço de processos de composição mais tradicionais. Ao contrário da larga maioria dos músicos oriundos da cultura pop, a islandesa foi aprofundado e radicalizando o seu trabalho, para desagrado de alguns dos admiradores da década de 1990 que se reviam mais na pop convencional de álbuns como Debut (1993), Post (1995) ou Homogenic (1997).
A Björk de 2015 é alguém que tem um canto só seu. Percebe-se ouvindo algumas das baladas mais afectuosas deste disco – como a canção inicial Stone milket ou Atom dance, que conta com a prestação vocal de Antony – que lhe seria relativamente fácil compor temas de maior apelo popular, mas nitidamente isso já não a satisfaz hoje em dia.
Percebe-se também que é um álbum mais pessoal do que os três anteriores, que funcionavam como projectos globais. Não significa que Vulnicura não o venha a ser, mas é mais uma obra clássica e menos um projecto ou um ponto de partida, como Biophilia, no sentido de activar outros desenvolvimentos artísticos.
As letras reflectem esse maior recolhimento, parecendo reflectir estados de alma provindos do fim da sua relação com o artista Matthew Barney, e menos como interpelações acerca da ciência, da natureza ou da tecnologia, por exemplo.
Nesse sentido é uma obra que se aproxima mais de Vespertine (2001), um disco doméstico, de poesia digital, de partilha de privacidade, onde os organismos electrónicos acabavam por espelhar essa vontade de introspecção. A maior parte das canções do novo álbum respiram dessa intimidade e candura.
O que se mantém também é uma certa ideia romântica do trabalho em grupo. Diz que lhe é impossível trabalhar só. Assegura que essa costela lhe vem do pai, antigo líder sindical, nela existindo espaço para a reflexão pessoal e para a troca.
Não espanta que tenha dito que Arca foi determinante. Foi ele que a procurou, ainda antes de ela ter ouvido o seu trabalho com FKA Twigs ou Kanye West. Ela diz que, apesar da grande diferença de idades, são almas gémeas, emocionalmente e musicalmente, e que ele conhece melhor o seu trabalho do que ela própria. A verdade é que estava num impasse e ele ajudou-a. Num par de meses, na Islândia, completaram o álbum.
Existem alguns pontos de contacto com o trabalho que ele fez com FKA Twigs – até no design visual do disco – mas muito menos do que seria de esperar, com o envolvimento sonoro restringido ao mínimo, orquestrações e motivos digitais vogando no espaço, rodeando a excelente performance vocal.
É um álbum de detalhes sonoros e líricos, com os arranjos dramáticos a atribuírem ao todo uma qualidade emocional. Em canções como Family, por entre batidas marciais, ouvimo-la cantar “is there a place where i can pay respects for the death of my family?”, terminando com “love will keep us safe from death”, numa das muitas canções que parecem resultar num misto de interrogação, vulnerabilidade e superação da dor.
É obra revigorante, de climas futuristas, mas profundamente humana, sem concessões ao imediatismo. Magnífico.