Obama desafia Congresso de maioria republicana com a sua taxa Robin dos Bosques

Presidente dos Estados Unidos já explicou a maioria das propostas que vai apresentar no discurso sobre o Estado da União. A ideia é taxar os mais ricos para aliviar a classe média.

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Barack Obama enfrenta uma maioria do Partido Republicano nos últimos dois anos de mandato SAUL LOEB/AFP

A dois anos de se despedir da Casa Branca, Obama vai propor ao Senado e à Câmara dos Representantes que apoiem a classe média e os mais jovens através de um aumento de impostos aos mais ricos – uma promessa que o Presidente sabe que não deverá poder cumprir, mas que serve para vincar as diferenças entre democratas e republicanos perante os eleitores, com a campanha para as presidenciais de 2016 no horizonte.

Em rigor, o discurso anual dos Presidentes dos Estados Unidos não é um conjunto de promessas, mas antes uma apresentação de um programa de intenções do governo, com apelos ao Congresso para que aprove leis nesse sentido.

Este ano, pela primeira vez desde que chegou à Casa Branca, em Janeiro de 2009, Barack Obama terá à sua frente um Congresso em que o Partido Republicano tem maioria nas duas câmaras (o Senado e a Câmara dos Representantes), pelo que muitos dos seus apelos deverão ter o mesmo destino que outros tiveram quando o seu Partido Democrata tinha maioria em pelo menos uma das câmaras: a prateleira das eternas discussões e trocas de acusações.

Uma das reacções mais brandas do lado do Partido Republicano veio de Brendan Buck, porta-voz da comissão da Câmara dos Representantes responsável pelas alterações ao sistema fiscal norte-americano: "Esta proposta não é séria."

"Ajudamos as famílias e fazemos crescer a economia com um sistema tributário mais favorável e mais simples, e não através de enormes aumentos de impostos para custear mais gastos por parte de Washington", disse o porta-voz da comissão liderada pelo republicano Paul Ryan.

Se o Congresso aprovasse a proposta de Barack Obama, a taxa de impostos aplicada a nível federal aos ganhos com a compra de acções passaria de 23,8% para 28% – um aumento significativo, mas também um regresso ao valor que era aplicado quando o Presidente Ronald Reagan saiu da Casa Branca, em 1989.

Mas o principal objectivo do plano da Casa Branca é tapar um buraco na lei que é aproveitado pelos donos das maiores fortunas do país para pagar menos impostos e, assim, manter o maior bolo possível das mais-valias nos bolsos da família.

Actualmente, se alguém comprar acções no valor de um milhão de dólares e se essas acções valerem dez milhões no momento da venda, os cofres dos Estados Unidos receberiam o imposto correspondente ao ganho de nove milhões de dólares, mas tudo muda se essas acções não forem vendidas e passarem para os filhos aquando da morte dos pais – neste caso, quando os herdeiros quiserem vender as acções, só terão de pagar impostos sobre o que realizarem acima dos dez milhões de dólares.

De acordo com os números do Congressional Budget Office, um organismo independente que ajuda o Congresso a analisar programas pagos com dinheiro do governo federal, este buraco na lei custou aos cofres do Estado cerca de 50 mil milhões de dólares (43 mil milhões de euros) em 2013 – o objectivo, segundo a Casa Branca, é arrecadar mais aos mais ricos, através da introdução de escalões para proteger investimentos menos avultados.

É por esta razão que os media norte-americanos não têm poupado comparações entre Barack Obama e a figura de Robin dos Bosques, quando não estão ocupados a sublinhar o "momento Piketty" do Presidente norte-americano, numa referência ao economista francês e autor do best-seller "O Capital no Século XXI".

A base do discurso do Estado da União será a economia norte-americana, com a tónica na recuperação dos rendimentos da classe média, mas os temas são muitos e variados – da ciber-segurança ao alargamento do acesso à Internet; do reforço da licença de paternidade à criação de novos programas estatais que incluam baixas médicas; do acesso grátis a dois anos de curso nas universidades locais (os chamados "community colleges", que oferecem cursos técnicos ou programas de aperfeiçoamento profissional) às operações militares contra os jihadistas do Estado Islâmico.

Ser ouvido
O discurso é habitualmente aguardado com alguma expectativa, mas o zapping dos espectadores norte-americanos não tem perdoado os presidentes e o Congresso nos últimos anos. Estima-se que o discurso seja visto por cerca de 30 milhões de espectadores – menos de metade dos 67 milhões que acompanharam Bill Clinton em 1993 e muito menos do que os 52 milhões que viram e ouviram o primeiro discurso de Barack Obama, em 2009.

Para tentar evitar esta sangria e para chegar às camadas mais jovens da população, a Casa Branca desenhou uma estratégia que poderá marcar o ritmo para os próximos anos – por um lado, o Presidente foi esvaziando as novidades ao longo das últimas duas semanas; por outro, estará ainda mais presente nas redes sociais.

A nova abordagem foi assumida por Barack Obama no dia 8 de Janeiro, numa escola secundária de Phoenix, no estado do Arizona: "Para quê esperar pelo Estado da União? Isso é como ter os presentes debaixo da árvore, é normal que comecemos a abaná-los. Quero dar-vos uma ideia sobre aquilo que quero falar."

Para Elaine Kamarck, do Brookings Intitution, a Casa Branca quer deixar para trás a ideia de que o discurso sobre o Estado da União é apenas aquilo que a Constituição define, ou seja, "uma conversa entre o Presidente e o Congresso".

"Acho que Obama quer fazer algo de novo, e alargar o alcance da discussão", uma nova abordagem que pode representar "um ponto de viragem" na forma como os norte-americanos olham para o ritual.

Para além da vantagem que é chegar ao momento do discurso com algumas dúvidas já desfeitas junto dos eleitores – uma estratégia que também serve para ganhar alguma força perante um Congresso de maioria republicana –, Barack Obama chega ao discurso desta noite com a sondagem mais favorável dos últimos dois anos. Depois da queda de popularidade a seguir à derrota do Partido Democrata nas eleições para o Congresso, em Novembro, Obama recuperou e recolhe agora 50% de simpatia na sondagem do Washington Post e da ABC News.

Notícia corrigida: data alterada de Janeiro de 2008 para Janeiro de 2009

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