Alceu Valença revê carreira em dois concertos e um livro de poemas

Dois concertos e um livro de poemas, lançado em simultâneo em Portugal e no Brasil, trazem Alceu Valença à ribalta. Começa hoje, na Casa da Música.

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Alceu Valença na sua casa em Lisboa Rui Gaudêncio

A novidade é que, tal como na gravação original, Alceu estará acompanhado pela Orquestra Ouro Preto, de Minas Gerais, dirigida pelo maestro Rodrigo Toffolo. E fará, com ela, uma viagem pela sua carreira, primeiro com uma suite orquestral (criada por Mateus Freire a partir de vários temas de Alceu) e depois com vários dos seus temas mais emblemáticos envoltos em novos arranjos: Ladeiras, Cavalo de Pau, Coração bobo, Talismã, Estação da luz, Tropicana ou Anunciação.

Essa viagem, que permitirá recriar em palcos portugueses o concerto (que se julgou irrepetível) de Belo Horizonte, surge em paralelo com o lançamento de um livro de poemas intitulado O Poeta da Madrugada, que será editado em simultâneo em Portugal e no Brasil. Com chancela da Chiado Editora, o livro tem lançamento marcado a seguir aos concertos. Será em Lisboa, no dia 22, às 18h, no Vestigius (Cais do Sodré, Armazém A, n.º 17), com a presença do autor.

E se o concerto que deu origem ao disco foi “feito num dia, gravado na hora, de uma vez só”, já o livro é produto de várias noites de insónia, não no Brasil mas em Lisboa, na zona do Castelo de São Jorge, num andar que Alceu ali comprou e onde vive parte do ano. “Muito desorganizado”, como ele próprio diz, só graças aos esforços de uma sua irmã é que conseguiu ainda reunir alguns poemas que foi escrevendo ao longo da vida, a par das canções. Este livro não era para ter sido o primeiro, já tinha outro escrito, a que deu o título de Inacreditáveis Histórias Verdadeiras. Mas esse repousa num disco rígido de um computador antigo, à espera de uma intervenção técnica para poder ser reabilitado e ver a luz do dia. O Poeta da Madrugada, porém, alinha poemas que foram canções com outros que nunca musicou, baralhando-lhes as épocas num ritmo exterior ao da própria criação. “Começo a falar sobre o tempo. Mostro o que seria a minha infância em São Bento do Una, onde nasci.” Isto é como começa. Mas depois percorre em estrofes que exalam música e lugares por onde passou (Recife, Olinda, Rio de Janeiro, Paris, onde escreveu Auto exílio) mas também canções que a memória da sua carreira reteve, como Embolada do tempo (feita na altura em que ele escrevia o argumento para a sua longa-metragem de ficção A Luneta do Tempo, que tem andado por vários festivais), Sete léguas, O ovo e a galinha, Papagaio do futuro, 6 horas, Ladeiras, Tesoura do desejo ou a muito celebrada e inesquecível Anunciação.

Há, além disso, no livro, sinais de várias épocas e estados de alma, como Dona de 7 colinas, dedicada a Olinda, que tem sete colinas como Lisboa (“É um paralelo interessante”, diz Alceu) ou  P da Paixão: “Comecei a escrevê-la quando eu estava em Porto Alegre e terminei a música no Porto. Então foi feita entre dois P, de um Porto para o outro.” E há ainda “Metáforas contra a ditadura”: Pesadelo, A moça e o povo, Guerreiro, Agaloado. Ou Retrato a 3x4, dedicado a uma das vítimas dos generais. “Esse é para um amigo meu que mataram, chamado Negro Luís. Eu estava viajando Rio-São Paulo, com o Geraldo Azevedo, e de repente vejo num jornal a fotografia dele, que era da luta armada e eu não sabia.” Há menções a escritores e poetas que lhe foram referência (Bandeira, Pessoa, Quintana, Drummond, João Cabral ou Rubem Braga) e há, sobretudo, um fio condutor que nos leva ao título, o da escrita nas noites insones: Poeta da Madrugada, título que lhe inventou a sua mulher, Yanê. Alceu revê-se nele, bem acordado.

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