Descoberto potencial tratamento contra temível bactéria dos mariscos
O que é que uma bactéria perigosa para o ser humano e uma doença genética têm em comum? Ambas poderão vir a ser tratadas com uma molécula capaz de controlar os níveis de ferro no organismo.
, que vive na água do mar, é responsável, todos os Verões, por graves infecções em pessoas que comem mariscos ou ostras cruas infectadas – e ainda em pessoas com feridas abertas que tomam banho em águas marinhas contaminadas. E, naquelas cujo sistema imunitário está enfraquecido – ou que sofrem de doença hepática crónica –, a taxa de mortalidade destas infecções atinge os 50%.
Uma outra doença que torna as suas vítimas particularmente vulneráveis àquela bactéria é a hemocromatose hereditária. É uma doença genética que provoca uma sobrecarga de ferro no organismo. Porém, até aqui, ninguém sabia qual era a razão dessa particular susceptibilidade. Foi isso que os autores do novo estudo – das universidades da Califórnia (EUA), do Porto e da Flórida (EUA) – quiseram esclarecer.
Normalmente, quando o organismo tem ferro suficiente (proveniente dos alimentos), deixa de o absorver nos intestinos, expelindo-o nas fezes. Mas as pessoas com hemocromatose são portadoras de uma mutação genética que faz com que não produzam níveis suficientes de hepcidina – uma hormona hepática que regula os níveis de ferro no organismo. Por isso, o metal acumula-se em excesso nos seus órgãos – no coração, no pâncreas e sobretudo no fígado –, provocando problemas cardíacos, cirroses, fibroses e cancro hepático.
O que estes cientistas fizeram agora foi identificar o elo entre a hemocromatose hereditária e a susceptibilidade à infecção pela Vibrio vulnificus: precisamente, o excesso de ferro. Ao que tudo indica, o ferro em excesso no organismo destes doentes fornece as condições ideais para a proliferação da temível bactéria.
Foram os co-autores Tomas Ganz e Elizabeta Nemeth, da Universidade da Califórnia, que estiveram na origem do desenvolvimento de um fármaco baseado na hepcidina, baptizado mini-hepcidina e destinado a tratar doenças caracterizadas por um excesso de ferro, tais como a hemocromatose. E com os novos resultados, esse potencial medicamento contra uma doença genética torna-se, de repente, um potencial medicamento contra uma perigosa bactéria.
“Esta é a primeira vez que a associação entre uma deficiência de hepcidina e a susceptibilidade à Vibrio vulnificus foi testada”, diz em comunicado Yonca Bulut, que liderou o estudo, também da Universidade da Califórnia. “A espectacular eficácia do novo tratamento, mesmo quando a infecção já estava instalada, foi impressionante.”
Os autores infectaram com Vibrio vulnificus ratinhos saudáveis e ratinhos mutantes que não produziam hepcidina. E mostraram que a infecção era muito mais letal neste segundo grupo porque os animais não conseguiam diminuir os seus níveis de ferro no sangue em resposta à agressão bacteriana. Não conseguiam “matar à fome” a bactéria, privando-a dos níveis de ferro de que precisa para sobreviver.
A seguir, também mostraram que a administração de mini-hepcidina, antes da inoculação da bactéria, a esses ratinhos que não produziam naturalmente a hormona, prevenia a infecção pela Vibrio vulnificus nesses animais. E que, mesmo três horas após terem sido infectados, a administração do fármaco curava os ratinhos.
“Descobrimos que a hepcidina é necessária para resistir a uma infecção pela Vibrio vulnificus”, diz por seu lado João Arezes, do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto – e autor principal do estudo. “O desenvolvimento do tratamento testado nos ratinhos poderia permitir reduzir a elevada taxa de mortalidade desta infecção.”
O próximo passo, lê-se no mesmo comunicado, deverá consistir em perceber por que é que a Vibrio vulnificus se torna tão letal em presença de um excesso de ferro.