A lamentável excepção de Ana Gomes
A frase de Ana Gomes retira ao assassinato de 12 cidadãos europeus a carga política que obviamente tem.
A senhora eurodeputada não percebe, não alcança as gravíssimas implicações políticas daquilo que diz? O ataque ao Charlie Hebdo foi um ataque ao jornal, à liberdade de imprensa, à vida humana, à França (ou, como os franceses gostam de dizer, e bem, à República). E foi um atentado à Europa, ou seja, a todos nós, que vivemos em democracia e a prezamos como um bem precioso.
A única forma de evitar extremismos populistas, sempre perigosos, não é dizer o que Ana Gomes disse: porque o que da sua afirmação se deduz é que a culpa do atentado está, afinal, na própria Europa. Sejamos claros: não está.
Como cidadã portuguesa e europeia, considero que há que saber defender, com coragem e verdade, dois limites ao que podemos aceitar, ou mesmo negociar: os direitos humanos (e, nestes, os dos sujeitos mais vulneráveis, mulheres e crianças incluídas); e os fundamentos da própria democracia. Ora, foi tudo isto que o atentado de ontem atacou. Mas não venceu.
A frase de Ana Gomes retira ao assassinato de 12 cidadãos europeus a carga política que obviamente tem, e que não reside na austeridade. Ao fazer isso, e não percebendo a carga trágica (da tragédia grega, que justamente era sobre a res-publica) destas execuções no seio da democracia europeia, Ana Gomes desrespeita os mortos e as causas da liberdade e da democracia por que morreram.
É lamentável que assim tenha enredado o seu partido, visto que nele tem responsabilidades de topo, numa interpretação sem desculpa. Esteve bem, sem hesitações, firme e claro, Francisco Louçã. A diferença entre as declarações destes dois políticos marca bem a desagregação do tecido político-partidário em Portugal. Com isso, sim, Ana Gomes devia estar preocupada.
Talvez Ana Gomes não se volte a sentir muito bem no Parlamento em Estrasburgo. Não devia. Ou talvez lho façam sentir. Alguém devia.
Cidadã portuguesa