Telescópio Hubble volta a olhar para Pilares da Criação 20 anos depois
É uma das imagens mais icónicas do telescópio Hubble. Tirou-a pela primeira vez em 1995, mostrando os Pilares da Criação, um local onde nascem estrelas, com um pormenor nunca antes visto. Agora, obteve imagens ainda mais nítidas.
Os Pilares da Criação elevam-se no meio da Via Láctea. A cerca de 6500 anos-luz da Terra, três colunas de poeiras e gases densos estão contornadas por uma luz esverdeada. Estrelas vermelhas pontuam o espaço à volta, que por sua vez é preenchido por vários tons de azuis. Quando os vimos pela primeira vez, em 1995, captados pelo telescópio espacial Hubble, a força e a beleza dos Pilares da Criação tornaram este lugar imediatamente famoso e o Hubble, no espaço desde 1990, ficou ainda mais conhecido.
Ao longo dos anos, as lentes deste telescópio foram mostrando outras paisagens do espaço, que deram substância ao território imenso e muitas vezes abstracto que é o Universo e foram uma grande fonte de informação científica para os astrofísicos. Mas poucas paisagens reveladas pelo Hubble serão tão icónicas como os Pilares da Criação.
Agora, no aniversário dos 25 anos do Hubble, e marcando os 20 anos da primeira imagem dos Pilares da Criação, os astrónomos voltaram a apontar o telescópio durante algumas dezenas de horas para a constelação da Serpente, mais precisamente para a nebulosa da Águia, também conhecida por Messier 16 (M16), onde se erguem os pilares.
As imagens fruto das novas observações foram agora divulgadas num encontro da Sociedade de Astronomia Americana, em Seattle, nos Estados Unidos. Uma mostra a luz no comprimento de onda do visível, o mesmo que os olhos humanos conseguem captar; outra registou a radiação infravermelha emitida pelos Pilares da Criação. Cada uma permite observar aspectos diferentes deste lugar – que é um berçário de estrelas e surge agora com o maior detalhe de sempre.
A nebulosa da Águia é conhecida desde o século XVIII: fazia parte do catálogo elaborado em 1771 pelo astrónomo francês Charles Messier, com mais de cem objectos. Era o objecto 16, daí esta nebulosa ser também conhecida por M16.
Em 1995, já se sabia que aquela região era um berçário de estrelas. Nestas regiões, o pó e gás estão a densidades tão elevadas que se contraem sobre si mesmo, atingindo pressões suficientemente altas para iniciarem o processo nuclear que faz as estrelas brilhar.
Pensa-se que as estrelas da nebulosa da Águia fazem parte de um enxame estelar com 5,5 milhões de anos e que ainda estejam a formar-se novas estrelas. Mas quando os astrónomos Paul Scowen e Jeff Hester, ambos da Universidade Estadual do Arizona, nos Estados Unidos, decidiram inicialmente apontar o Hubble – que pertence à NASA e à Agência Espacial Europeia (ESA) – para a nebulosa da Águia, não esperavam aquele resultado tão espectacular.
Paul Scowen relembra agora a sua surpresa quando começou a tratar a informação obtida pelo telescópio. “Telefonei ao Jeff Hester e disse-lhe: ‘Tens de vir já para aqui’”, conta, citado num comunicado da NASA. “Colocámos as imagens na mesa, e estávamos esfuziantes devido aos pormenores incríveis.”
Um dos primeiros detalhes que chamou a atenção dos dois astrónomos foi o gás azulado e brilhante que se estava a escapar das colunas escuras, e que irradiava, como se vê na imagem. “Há apenas uma coisa que pode iluminar uma vizinhança como esta: estrelas maciças que emitem luz ultravioleta com potência suficiente para ionizar e fazer brilhar nuvens de gás”, explica Paul Scowen. Neste caso, a ionização acontece quando a energia da luz ultravioleta faz saltar os electrões dos átomos de hidrogénio, oxigénio e enxofre.
“As regiões nebulosas de formação estelar como a M16 são como néones interestelares a dizer: ‘Acabámos de fazer uma data de estrelas maciças’”, acrescenta o astrofísico.
Na criação e destruição
As novas imagens foram obtidas em Setembro de 2014, com a Câmara de Campo Largo 3, instalada no telescópio Hubble em 2009 e que capta desde radiação ultravioleta, passando pela luz visível, até ao infravermelho próximo. O facto de ter sido introduzida esta melhoria permitiu que as novas imagens fossem ainda mais nítidas do que as de 1995, que já nos tinham deslumbrado. O telescópio, que está a cerca de 560 quilómetros de distância da Terra e não tem assim a interferência da atmosfera terrestre na observação do Universo (ao contrário dos telescópios em terra), gastou quase 53 horas para obter as novas imagens.
Como os Pilares da Criação estão a cerca de 6500 anos-luz de distância, a imagem que se obtém hoje mostra como estas estruturas eram há cerca de 6500 anos – o tempo que a luz demorou a chegar à câmara do Hubble. O maior dos pilares tem uma altura de quatro anos-luz – ou seja, a luz demora quatro anos a ir de uma ponta à outra desta estrutura. Ou, dito de outra forma, tem 37,84 biliões de quilómetros (milhões de milhões de quilómetros) de altura, quase tanto como a distância do nosso Sol à estrela mais próxima de nós, a Próxima do Centauro, a 4,2 anos-luz.
Apesar de só haver 19 anos de interregno entre as duas observações, os cientistas já conseguiram detectar diferenças milimétricas nas imagens, que, tendo em conta o tamanho descomunal dos pilares, representam diferenças fenomenais. Uma delas é uma pequena estrutura situada na coluna da esquerda – a maior – e que parece um esguicho de água. Os cientistas acreditam que o material tenha sido ejectado de uma estrela acabada de se formar. Nestas quase duas décadas que se passaram, o “esguicho” deslocou-se quase 100.000 milhões de quilómetros.
A nova imagem ajuda também a compreender a destruição que os pilares estão a sofrer devido à erosão provocada pela radiação das estrelas recém-nascidas. “Impressiona-me a transitoriedade destas estruturas. Estão activamente a ser erodidas diante dos nossos olhos. A bruma azulada que rodeia as extremidades densas dos pilares é material que está a ser aquecido e a evaporar para o espaço. Apanhámos estes pilares num momento único e de pouca duração na sua evolução”, explica Paul Scowen.
A destruição pode ser até mais radical. Em 2007, cientistas observaram aquilo que julgam ser uma nuvem de pó estelar aquecido devido à explosão de uma supernova, uma estrela moribunda. E pensam que os materiais desta explosão levarão 1000 a 2000 anos a atingir os Pilares da Criação, destruindo-os. A interpretação do que se observou não é unânime entre os astrofísicos. Mas, se for correcta, então os pilares podem ter sido destruídos entre há 5500 e 4500 anos – só que, como a luz que emitem demora cerca de 6500 anos a chegar à Terra, teremos de esperar pelo menos mais 1000 anos para testemunhar esse fenómeno.
Entretanto, as imagens do Hubble ajudaram a mostrar como poderá ter sido o ambiente que permitiu o aparecimento do nosso Sol. Há provas de que inicialmente o sistema solar estava numa região tão turbulenta como a M16. “Quando se olha para o ambiente da nebulosa da Águia ou de outra região de formação estelar, estamos a olhar exactamente para o mesmo tipo de ambiente onde o Sol se formou”, refere Paul Scowen.
Para que não haja dúvidas de que se está perante um berçário estelar, a imagem a infravermelho, que consegue atravessar algumas das poeiras negras dos pilares (outras poeiras são tão densas que não deixam sequer passar a luz infravermelha), revela muitas estrelas. Algumas dessas estrelas encontram-se atrás dos pilares, mas outras estão dentro dos próprios pilares e outras ainda, acabadas de se formarem, surgem mais ou menos escondidas no topo das colunas.
Daqui a 20 anos talvez possamos ter outro vislumbre da evolução desta estrutura icónica. Estima-se que a partir do final desta década o Hubble poderá decair da sua órbita para voltar à Terra, terminando a sua missão. Nesse caso, não poderá dar seguimento à observação dos Pilares da Criação. Mas espera-se que em 2018 a NASA, a ESA e a Agência Espacial do Canadá lancem o seu sucessor, o telescópio espacial James Webb, que será mais potente e observará em mais comprimentos de onda, para revelar novos pormenores do Universo e da sua beleza.