Pintar na era da Internet

Em The Forever Now, a primeira colectiva de pintura dos últimos anos no MoMA de Nova Iorque, questiona-se a originalidade no que parece um eterno presente. Para visitar até 15 de Março.

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Exposição The Forever Now: Contemporary Painting in an Atemporal World no Museum of Modern Art, Nova Iorque John Wronn © 2014 The Museum of Modern Art
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Exposição The Forever Now: Contemporary Painting in an Atemporal World no Museum of Modern Art, Nova Iorque John Wronn © 2014 The Museum of Modern Art
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Oscar Murillo, 6, 2012
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Julie Mehretu, Heavier than air (written form), 2014
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Laura Owens, Untitled, 2013
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Nicole Eisenman, Guy Capitalist, 2011
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Dianna Molzan, Untitled, 2009
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Kerstin Brätsch, Blocked Radiant D (for Ioana), 2011

The Forever Now: Contemporary Painting in an Atemporal World junta trabalhos de 17 artistas, a maioria mulheres, a maioria americanos, partindo da premissa de que mais do que continuar à procura da obra perfeita inventando novos caminhos, a pintura na era digital – tal como a literatura ou qualquer outra forma de arte contemporânea  não se define por esse perseguir do novo que motivou gerações de artistas e foi definindo correntes, sobretudo a partir dos modernistas, mas trabalha sobre o que já foi feito: conceitos, materiais, formas, desde as mais primitivas até às escolas pós-modernistas. E porquê? Porque já tudo foi feito e disseminado, limitando-se o papel do artista neste tempo ao trabalho sobre essa espécie de arquivo ou herança, uma eterna reanimação do histórico.

O debate não é consensual e o discurso evita a ideia de citação, a do discurso sobre o discurso como forma de criação. E os mais críticos afirmam mesmo que esta exposição não veio ajudar sequer a acrescentar tópicos para ajudar a pensar sobre o tema da criação em arte no momento actual. Nem mesmo quando o texto do catálogo diz que as obras aqui reunidas, ou, numa perspectiva mais ambiciosas, as obras da pintura contemporânea, só podem ser lidas à luz deste tempo enquanto ele é a junção de todos os tempos. Ou seja, elas são atemporais.

O facto é que, desde que foi inaugurada no passado dia 14 e mesmo desde que a imprensa a pôde visitar, uma semana antes – The Forever Now tem motivado discussão. Não pelo pressuposto, mas pelo modo como ele é ali formalizado. Segundo a perspectiva dos organizadores, estamos, no campo da arte, num momento ‘atemporal’ ou intemporal, e essa é a grande novidade, ou, segundo uma visão menos optimista, num tempo em que a noção de progresso, de se fazer melhor e melhor, desde sempre perseguida, não parece possível.

Organizada por Laura Hoptman (ex-curadora do New Museum, em Nova Iorque, onde foi responsável, entre outras, pela então muito bem recebida exposição do pintor, performer e poeta Brion Gysin, Dream Machine), desde 2010 curadora no Departamento de Pintura e Escultura do MoMA, esta é uma exposição tão ambiciosa quando arriscada. O crítico de arte Jason Farago classificou-a mesmo de “missão suicida” num texto que assinou para o britânico The Guardian e acusou-a de se ficar por uma abordagem cómoda, incapaz de lançar um debate sobre a arte e o seu papel – incluindo o do mercado – no actual momento. Como, por exemplo, o facto de muitos dos artistas mais representativos do que se faz actualmente na pintura não estarem nas colecções de museus, quase todos sem capacidade monetária para pagar os milhões que a especulação vai ditando, mas sim em galerias ou nas mãos de particulares. O que faz com que alguns dos que poderiam estar aqui não estão, por isso mesmo ou por não pertencerem à mais estimada das correntes actuais pelo MoMA: o abstraccionismo.

O coro dos que apontam falhas à selecção é vasto e estende-se aos principais meios de comunicação onde esta exposição tem sido debatida. No fundo, esse coro que elogia a qualidade de muitas das obras presentes, e que questiona outras, não vê na selecção um conjunto capaz de elucidar acerca da pintura que se está a fazer, nem de ser capaz de sustentar o tal argumento que fundamenta a exposição: a de uma suposta intemporalidade do que se faz actualmente na pintura, ainda que essa possa ser uma “verdade”.

Várias gerações em 82 obras
Factos: The Forever Now não é uma exposição para retratar uma geração. Apesar de grande parte dos artistas aqui representados terem começado a trabalhar na década de 90 do século XX, há diferenças de idade consideráveis entre eles. Amy Sillman, a artista mais velha dos 17 eleitos, conhecida pela riqueza de cores e texturas dos seus trabalhos, tem 59 anos. Oscar Murillo, a nova super-estrela das artes plásticas, com peças cotadas no mercado em centenas de milhares de euros, tem 28 anos. A exposição também não tem a preocupação de apresentar uma geografia repartida, e o atlas é muito limitado (a virtualidade, o estarmos em todo o lado a partir de um ponto qualquer que ele seja, terá esbatido essa necessidade?). Entre os 17 artistas, 13 são norte-americanos (uma delas, Julie Mehretu, 44 anos, tem origem etíope), três vêm da Alemanha e há um colombiano.

Que expectativa ter, então, ao entrar no sexto piso do MoMA e deparar com as 82 obras ali expostas? O espaço parece pequeno para o que se vê à partida. Procuram-se respostas ou pontos de partida que sustentem o debate desta nova “tendência” em telas gigantes, como por exemplo o tríptico de Matt Connors (n. 1973), Variable Foot, artista que confessa inspirações no cinema e na literatura, três cores, vermelho, azul e amarelo verticais, autor de três obras neste espaço. Ou no imenso painel branco pontuado pela sinalética de Joe Bradley (n. 1975).

Quase todos os espaços estão arrumados por artista, mais do que por abordagem ou temática. Há os rostos de Nicole Eiseman (n. 1965), onde a pintura integra colagens num trabalho que faz uma sátira política. E há Laura Owens, Kerstin Brätsch, Mark Grotjahn, Josh Smith, Richard Aldrich, Michael Williams, que surgem como os representantes desta tendência que vai buscar referências reconhecíveis a correntes desde o impressionismo à pop art, passando pelo modernismo, pós-modernismo, quando se acreditava na evolução, que uma corrente ou escola deveria revelar um novo caminho.

A ambição de Laura Hoptman é mostrar que, sem inventar nada, ou sem procurar esse novo – porque ele já não é possível –, a arte continua a fazer sentido e há artistas a fazerem o seu caminho, partindo de estímulos ou impulsos distintos, tendo em comum uma superfície pintada. Seja uma tela, um mapa, um ecrã, nos quais todos os géneros se possam interligar, e onde predomina  os exemplos escolhidos levam-nos para aí – a abstracção enquanto linguagem.

Os organizadores socorrem-se da premissa da mostra para explicar a escolha: The Forever Now quer ser a exposição de um momento paradoxal, o início de um novo século, definido a partir de um conceito que Hoptman foi buscar à literatura: o de “atemporalidade” (atemporality), tal como o definiu o escritor de ficção científica, também norte-americano, William Gibson (n. 1946). A ideia é a de que a cultura, numa época determinada pelo digital, superou as fronteiras de espaço e de tempo. Tudo existe em simultâneo, e tudo, de todos os tempos, está disponível para ser usado agora.

De um modo sucinto: como fica a pintura na era do digital? “Interessa-me não a imagem da Internet, mas a informação que ela fornece”, disse Hoptman recentemente sobre o tema, acrescentando numa entrevista à revista Art in America que a noção de atemporalidade assenta na disponibilidade de informação; é acerca da capacidade de ver muitas coisas ao mesmo tempo, uma noção que, tal como Jung na Psicanálise, designa como de sincronismo.

Originalidade e transcendência
Em Forever Now estão em causa ideias tão essenciais como o que é a originalidade ou o sentido de transcendência numa obra de arte. Só que agora olhadas a partir de um tempo em que a eternidade ganha uma nova dimensão. O 'para sempre' é agora e isso faz repensar todo o discurso criativo. Um tempo de acesso total, uma era em que a intemporalidade ganha forma não como ideia mas como condição, com o futuro a perspectivar-se, deste ponto de vista, em muitas formas criativas, como uma distopia.

“Estou a trabalhar com um parâmetro temático de atemporalidade que não criei”, diz Laura Hoptman, numa referência à nova noção de originalidade revista à luz de que, afinal, há algo de inalcançável. “Com a noção de progresso, tínhamos esta ideia de que era possível fazer melhor e melhor até atingir uma espécie de perfeição”, continua Hoptman, mas “e se essa busca não for mais o caminho?”, interroga-se a curadora. “Ficamos todos sentados a chorar o facto de já termos visto tudo antes?”

E Hoptman aponta uma alternativa: “Há um modo de olhar a criatividade que não tem necessariamente a ver com a ideia de criarmos algo que nunca tenhamos visto antes. Pode passar por reinterpretar ou interpretar de forma ‘errónea’ o que está à nossa volta”, justificou, no que já chamaram como uma recuperação do formalismo zombie, que é algo que ultrapassa as artes plásticas e também está na literatura, no cinema, na música. Enquanto sinónimo de reincarnação da morte, numa perspectiva positiva (o termo é mais uma vez de Hoptman). No caso, despertar para correntes e artistas esquecidos, estilos considerados ultrapassados, mas actualizados de acordo com o que podem ser necessidades políticas, sociais, económicas. Isso é o que fará a contemporaneidade.

O ponto de partida não é consensual. O debate sobre a originalidade na arte não se limita à pintura. Muitos teóricos falam de uma espécie de bloqueio que chega à arte como reflexo de algo maior. Todos procuram respostas. Laura Hoptman quis fazer isso com Forever Now… Diz ela que o paradoxo do nosso presente é a mistura de muitos passados. "No nosso ‘hoje’, as pessoas têm licença para partir de todos os tipos de fontes. Não significa que isto seja verdade daqui a cinco anos. Eu não sei o que irá acontecer daqui a cinco anos”, conclui, remetendo esta exposição para o momento actual, o tal que nos parece eterno enquanto dura.

The Forever Now: Contemporary Painting in an Atemporal World pode ser visitada no MoMA até 15 de Março.

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