Inspecção da Justiça a negócio das cantinas nas cadeias interrompida por falta de verbas
Responsável da IGSJ sublinha que problema foi resolvido com reforço orçamental. Ministra enviou ao Tribunal de Contas relatório final de primeira auditoria que revelava 8,3 milhões de euros em volume de vendas sem controlo.
“A interrupção do trabalho [de campo] durante a 1.ª quinzena de Junho deveu-se ao facto de o orçamento da IGSJ não dispor de verbas para custear as imprescindíveis deslocações e se encontrar ainda a aguardar um reforço orçamental”, lê-se no documento, que, ao longo de 107 páginas, traça um retrato caótico da organização da contabilidade e facturação das cantinas nas cadeias, algumas em funcionamento sem técnico oficial de contas e sem pagar IVA.
A auditoria, iniciada em 19 de Maio na cadeia de Lisboa (onde os inspectores estiveram até 29 de Maio), esteve interrompida entre 29 de Maio e 17 de Junho, dia em que os técnicos da IGSJ iniciaram a inspecção pelos restantes estabelecimentos prisionais até final de Agosto. Numa resposta enviada ao PÚBLICO através do Ministério da Justiça, a IGSJ admitiu o constrangimento.
“Fruto das contenções orçamentais verificadas em toda a administração pública, também a IGSJ, a dado momento, se confrontou com essas dificuldades. Tais dificuldades implicaram que, momentânea e pontualmente, algumas das acções que estavam em curso naquela data tivessem de diminuir a sua normal dinâmica. Porém, e após o reforço orçamental que lhe veio a ser atribuído, a IGSJ retomou a sua normal actividade, concluindo as acções que constavam do seu plano de actividades, em perfeita situação de normalidade”, justificou o subinspector-geral, Jorge Costa.
Segundo fonte do Ministério da Justiça, por essa altura o orçamento da IGSJ, que era inicialmente de 823 mil euros, foi reforçado com mais 127 mil euros. As verbas chegaram através de dois reforços de orçamento, um de cerca de 12 mil e outro de 95 mil, juntamente com uma transferência directa do ministério.
Esta auditoria foi ordenada a 13 de Maio de 2014, já depois de ser conhecido o relatório preliminar que dava conta de que as cantinas das 49 prisões existentes lucram em média 680 mil euros por ano, mas só entregam 600 mil à Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), retendo verbas sem autorização. Nessa inspecção foi ainda detectado um volume total de vendas de 8,3 milhões de euros nas cantinas que os auditores consideraram muito elevado para estar sem controlo. Fonte do Ministério da Justiça adiantou que o relatório final dessa auditoria foi enviado ao Tribunal de Contas em Novembro para serem apuradas eventuais responsabilidades face a possíveis infracções financeiras.
A DGRSP não quis comentar. “Por se tratar de matéria da exclusiva competência da Inspecção-Geral dos Serviços de Justiça, nada se oferece dizer a esta direcção-geral sobre as questões colocadas, desconhecendo-se o envio de qualquer relatório ao Tribunal de Contas”, justificou.
Esses números são mantidos nesta nova auditoria, que, como amostra, inspeccionou com mais pormenor as cantinas de oito cadeias, entre elas as de Lisboa, Algarve, Olhão, Silves, Guarda, Izeda, Guimarães e Odemira. Os inspectores concluíram que, em média, as cantinas das prisões lucram anualmente 47,15 euros por recluso, sendo que algumas delas definem margens de lucro de 20% nos seus produtos, uma taxa superior à margem entre 8% a 12% que está definida por despacho da DGRSP. Existem actualmente mais de 14 mil reclusos, tendo o seu número aumentado 29% desde 2009 quando eram cerca de 11 mil, segundo o documento.
A inspecção anterior detectou 12 cantinas de cadeias que não pagavam IVA. Recuando às contas de 2012, não liquidavam aquele imposto as prisões de Bragança, Chaves, Elvas, Funchal, Guarda, Montijo, PJ do Porto, Ponta Delgada, Setúbal, Viana do Castelo, Vila Real e Viseu. Esta auditoria verificou esta irregularidade em Odemira, cuja cantina não tem “técnico oficial de contas” nem “emite facturas”, e na Guarda.
A inspecção, face à altura em que ocorreu, detectou ainda incidentes durante a greve dos guardas prisionais em Maio. Na cadeia de Lisboa, “pouco tempo antes da visita de auditoria, tinha havido roubos nos bares das alas A e E, durante a greve. A porta do bar foi arrombada e o valor dos produtos em falta foi de cerca de dois mil euros em cada bar com especial incidência no tabaco”, refere o relatório. Aliás, uma das recomendações da auditoria é a regulamentação dos bens que se podem adquirir para impedir que, antes das greves, reclusos com mais poder económico comprem grandes quantidades de tabaco para depois venderem aos restantes.
Os inspectores recomendam ainda a reestruturação fiscal da DGRSP e mostram-se preocupados com a falta de efectivos nos serviços financeiros e patrimoniais. Esta direcção, que integra os serviços prisionais, tem 52 elementos para uma necessidade estimada de 72 funcionários.