Medo de voar? Há cursos que podem ajudar

Fobia é transversal em termos de níveis sociais e educacionais. Comum a todos os casos é a ansiedade provocada pela perda de controlo, aliada à falta de informação sobre um ambiente desconhecido, explica Philippe Goeury, psicólogo do centro anti-stress da Air France.

Foto
Saul Loeb/AFP

A fobia deste atleta de 29 anos tornou-se tão incapacitante que Fritsch começou a inventar doenças para permanecer em terra firme. Depois de falhar cinco competições em duas dezenas ao longo de um ano, acabou por desistir de todo o campeonato, participando apenas nos jogos necessários para manter as suas credenciais enquanto ganhava a vida a treinar amadores no seu clube de golfe local.

“No dia do voo, sinto que sou o próximo no corredor da morte”, diz Florian Fritsch. “Depois, na ida para o aeroporto, já no aeroporto e durante o voo, sinto que alguém está a jogar à roleta russa com uma arma apontada à minha cabeça  - e aquilo faz ‘clic, clic, clic’ e eu estou só à espera da explosão do próximo tiro.”

As companhias aéreas já reconheceram a necessidade de agir, se quiserem conquistar clientes como Fritsch. A Easyjet anunciou há alguns dias que vai aumentar, em 2015, o número de cursos oferecidos aos viajantes que têm medo de voar, numa resposta à crescente procura. A British Airways também expandiu a sua rede de seminários, que incluiu Nova Iorque em 2012, o Dubai no ano seguinte, seguido de Joanesburgo este ano e Dublin em 2015.

A Air France também refere que a procura destes seminários especializados tem vindo a aumentar. Trata-se de programas que podem custar centenas de euros e que combinam conhecimentos práticos sobre aerofísica com discussões psicológicas e técnicas de relaxamento para diminuir o stress.

O medo de voar ocorre em todos os níveis sociais e educacionais. Comum a todos os casos é a ansiedade provocada pela perda de controlo, aliada à falta de informação sobre um ambiente desconhecido, explica Philippe Goeury, um psicólogo que trabalha no centro anti-stress da Air France e que organiza estes cursos. O pânico tende a revelar-se depois de um acontecimento importante na vida destas pessoas, seja o casamento, o nascimento de um filho ou a morte de alguém próximo, acrescenta Goeury.

A crescente procura por estes cursos reflecte o aumento do stress na vida quotidiana”, continua o psicólogo. “Há uma pressão constante para se ser melhor em tudo, há cada vez mais pessoas a consultar psicólogos, os problemas são cada vez mais amplificados. E estar dentro de um avião pode cristalizar muitas destas ansiedades.”

Com mais de 3,5 mil milhões de pessoas preparadas para entrar num avião no próximo ano, voar tornou-se tão banal para o trabalho e o lazer que mesmo os raros acidentes aéreos deixam a maioria dos viajantes inabalados. No entanto, para uma importante minoria, o medo de estar suspenso no meio do ar, encurralado num cilindro de metal por cima das nuvens, pode arruinar férias e sabotar uma carreira profissional.

Mais de 70% das pessoas já sentiram ansiedade por voar, segundo um estudo divulgado pela All Nippon Airways na semana passada. A companhia aérea desenvolveu uma aplicação para telemóvel que usa um puzzle e música para distrair os passageiros durante a descolagem, tipicamente a parte mais stressante da viagem.

Algumas companhias aéreas, como a British Airways e a Lufthansa, deixam os passageiros testar a sua recém-adquirida confiança com um verdadeiro voo no fim do curso. A Air France opta por usar um simulador de cockpit, para recriar situações de turbulência no voo, aterragens abortadas e explosões de motores.

O curso da Virgin Atlantic já ajudou duas mil pessoas por ano, desde que começou em 1997, explicou o instrutor Richard Conway a uma plateia de uma centena de pessoas, numa sessão que durou um dia inteiro no aeroporto de Gatwick, em Londres, no mês passado. Agrupados em mesas de dez, aqueles que em breve seriam passageiros tiraram dos pulsos as pulseiras de borracha que lhes tinham sido dadas ao início do dia para os ajudar a afastar pensamentos negativos.

Os preços destas sessões começam nos 200 dólares mas podem chegar aos 5000 dólares, no caso de cursos privados. Embora o humor seja usado para acalmar as ansiedades – decorrentes da claustrofobia, do medo de voar sobre água ou do medo da turbulência - encontrar o tom certo para estas palestras é um enorme desafio, explica Conway. “O que esperamos é conseguir criar um ambiente acolhedor sem fazer com que as pessoas se sintam inferiorizadas.”

No final do seminário da Virgin, é pedido aos participantes para confrontarem os seus medos num voo verdadeiro. Os “alunos” ou se agarram nervosamente ao par que acedeu a acompanhá-los ou insistem com perguntas de última hora dirigidas ao piloto ou ao psicólogo. Alguns apresentavam-se estóicos e calmos, enquanto outros soluçavam, agarrados a peluches, ou carregavam agressivamente nos pontos de pressão que lhes foram indicados no seminário para baixarem os níveis de ansiedade.

Algumas pessoas não conseguem chegar ao avião de todo, ou então desistem mesmo no último minuto. Durante as manobras na pista, o piloto descreveu os sons e os solavancos à medida que o avião foi ganhando velocidade e levantou voo. Quando já está acima das nuvens, ouvem-se saudações e gargalhadas dos recém-baptizados viajantes, uns visivelmente relaxados, outros excitados por as técnicas que lhes foram ensinadas terem resultado.

“A verdade é que até gostei dos poucos solavancos que sentimos, foi quase como estivesse num castelo insuflável”, disse Chris Slaski, um compositor que vive em Londres

No curso Viajante sem Medo da EasyJet, o objectivo é fazer passar a mensagem “numa linguagem que uma pessoa que sofra de fobias perceba”, explica Mark Wein, o criador do curso. A sessão de três horas inclui a visualização de um filme que mostra um homem a dirigir-se para um aeroporto, enquanto uma voz-off desabafa acerca das emoções típicas que são sentidas pelos viajantes apreensivos.

Segundo a Texter-Millott GmbH, responsável pelos seminários em grupo que duram dois dias e custam 790 euros por cabeça disponibilizados pela Lufthansa, cerca de 80% dos participantes dizem que o seminário os ajudou a reduzir “substancialmente” o medo de voar, mas só 30% dizem que conseguiram voar completamente livres de medo depois do curso.

Para Fritsch, o jogador profissional de golfe alemão, três anos de terapia, muitas sessões de hipnose e alguns cursos como o Viajante sem Medo não foram suficientes para o curar completamente. Ele ainda odeia voar e diz já ter a solução para o caso de conseguir a qualificação para algum torneio importante nos EUA. “Acho que o paquete Queen Elizabeth faz a viagem de Portsmouth para Nova Iorque em quatro dias.” Com Richard Weiss (c) 2014, Bloomberg News

Sugerir correcção
Ler 3 comentários