Erdogan não gosta de ser criticado, nem mesmo por um miúdo de 16 anos

Rapaz de 16 anos foi libertado, mas vai responder pelo crime de "insulto ao Presidente". Oposição turca denuncia deriva "fascista".

Foto
Manifestação de apoio ao adolescente preso por insultar Erdogan, em Ancara Adem Altan/AFP

É mais um caso polémico num país em que tem havido ameaças à liberdade de expressão, como prisões de jornalistas, bloqueio de sites como o YouTube ou o Twitter, afastamento de magistrados e reorganização do Ministério Público e da polícia.

O rapaz fez um discurso na quarta-feira elogiando o secularismo e os princípios fundadores da Turquia moderna, dizendo depois que o actual Presidente, Recep Tayyip Erdogan, era um ladrão que vivia num palácio ilegal, referindo-se a um escândalo de corrupção enquanto Erdogan era primeiro-ministro e à obra faraónica de mais de mil quartos que é a nova residência oficial da presidência.

Um dia depois, foi detido na aula, à frente do professor e dos colegas. Ouvido pelos procuradores da província de Konya (centro da Turquia e um dos bastiões conservadores de apoiantes de Erdogan), foi acusado por insulto ao Presidente.

“Fiz a declaração em causa”, disse o jovem perante os procuradores. “Não tive intenção de ofender”, acrescentou, declarando-se inocente da acusação que lhe é feita.

Esta sexta-feira, o estudante foi libertado, mas as autoridades deixaram claro que será acusado. 

A libertação ocorreu depois de uma série de advogados se juntarem numa carta de protesto contra a detenção. Alegam que as acusações de corrupção feitas pelo jovem são replicadas rotineiramente nas redes sociais.

“Não daremos um passo atrás no nosso caminho, vamos continuar a seguir por esta estrada”, disse o jovem ao sair da prisão, rodeado pela família.

Ordem do topo

“Prender um jovem de 16 anos não é ético ou judicial. Alguém no topo quer mandar uma mensagem. Querem dizer que se prendemos um adolescente de 16 anos, imaginem o que vos podemos fazer”, disse um dos advogados, Kemal Aytac.

Questionado sobre o caso, o primeiro-ministro, Ahmet Davutoglu, comentou apenas que “todos têm de respeitar a instituição do Presidente, seja este quem for”.

O  Partido Republicano do Povo (CHP), na oposição, reagiu fortemente. "Um jovem de 16 anos foi preso por dizer que ele era um ladrão, enquanto do outro lado os que realmente são culpados recebem o seu dinheiro com juros”, afirmou o líder do partido, Kemal Kiliçdaroglu, num post no Twitter.

“Os regimes que vão buscar crianças a salas de aula e as põem na prisão são regimes fascistas”, declarou Riza Türmen, deputado deste partido e antigo juiz do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Outro deputado, Sezin Tanrikulu, foi até Konya manifestar o seu apoio ao jovem, comentando: “Erdogan está assustado até com palavras de um adolescente. Mas fazer medo não o vai ajudar.”

Uma série de intelectuais turcos divulgaram também entretanto uma petição para que Erdogan e o seu Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP), no poder desde 2001, respeitem a democracia. “A democracia da Turquia tem sido regularmente adiada por golpes no passado, mas hoje a sua vitalidade está a sofrer grandemente sob uma administração civil”, diz a petição. “A Turquia é governada por um partido que vê a separação de poderes, a independência judicial, a supervisão parlamentar, o uso do direito de reunião e protesto pacífico como ameaças ou golpes.”

Erdogan acusa o seu antigo aliado Fethullah Gülen, um líder religioso a viver nos EUA, de estar por trás de uma “tentativa de golpe”, que é como classifica o surgimento de uma investigação judicial que atingiu várias figuras ligadas ao seu partido e ao seu Governo, há um ano. Quando se assinalou um ano sobre este caso, que levou à demissão de três ministros do Executivo, foram detidos mais de 20 jornalistas, alguns dos quais foram entretanto libertados.

UE critica

A União Europeia criticou as detenções e pediu “um processo imparcial e transparente” para estas pessoas; Erdogan disse que Bruxelas deveria “guardar a sua sabedoria para si mesma”.

Sinan Ulgen, do centro de estudos Edam de Istambul, explicou à BBC: “Erdogan acredita que a legitimidade democrática vem das eleições. Outros esperam mais da democracia turca – uma imprensa libre, um poder judicial independente e um Estado de Direito”.

Na Turquia, muitos temem esta deriva do Governo e do Presidente – o país está entretanto em 154ª lugar no índice de liberdade de imprensa da organização Repórteres Sem Fronteiras. Outros dão mais valor aos avanços conseguidos pelo AKP, com o país a tornar-se a 17ª economia do mundo na última década.

Outro ponto preocupante é a maior insistência numa nota conservadora. Nos últimos temos o Presidente tem feito uma série de declarações polémicas. Uma delas visou as mulheres: “A nossa religião [o islão] definiu uma posição para as mulheres: serem mães”, afirmou, pedindo às mulheres para terem três filhos, e dizendo que o planeamento familiar era uma forma de “traição”. Estas afirmações agradam aos seus apoiantes mais conservadores, dizem analistas, mas causa preocupação nos seculares.  

Sugerir correcção
Ler 2 comentários