Relação critica juiz do caso Meco por defender procurador que não constituiu dux arguido
Tribunal da Relação de Évora lembra ao juiz que não lhe compete "comentar o desempenho profissional do Ministério Público". Desembargadores recusam pedido das famílias para afastar do caso o magistrado.
A crítica é lida na resposta a um pedido de afastamento do juiz, requerido em Novembro por familiares das vítimas. Os desembargadores recordaram ao magistrado do Tribunal de Setúbal que “não compete ao juiz comentar o desempenho profissional do Ministério Público (MP), mas antes analisar se na marcha do processo foram ou não cumpridas as disposições legais”.
Em causa estava um comentário do juiz Nelson Escório no despacho em que admitiu apreciar o caso após o procurador de Almada, Moreira da Silva o ter arquivado considerando não existirem indícios de crime.
Os estudantes, membros da Comissão Oficial da Praxe Académica da Universidade Lusófona, morreram afogados num contexto de praxe, a 15 de Dezembro, na praia do Meco.
“Nenhuma diligência resulta dos autos que contrarie aquele muito assumido entendimento e coloque, deste modo, e de algum modo, em causa a honestidade intelectual de tal opção (a não constituição do dux João Gouveia como arguido) ”. Os desembargadores dizem mesmo que “tal referência à honestidade intelectual ou à qualificação do entendimento do MP como muito ou pouco assumida” é “despicienda”.
Este era um das referências em que assentavam os argumentos dos familiares para acusar o juiz de falta de imparcialidade. Consideravam existir uma “ligação clara” entre o procurador e o juiz, alegando que este estaria a fazer a “defesa do MP”. A Relação, apesar de criticar o juiz, recusou, contudo, afastá-lo, considerando que não está abalada a sua imparcialidade no processo.
“Não se afigura que de tal observação [do juiz] se possa retirar a ilação” de que existe “uma sintonia entre ambos". "Não resulta qualquer facto indiciador de falta de isenção ou imparcialidade”, referem os desembargadores que recordam ainda que o juiz em causa “admitiu a abertura da instrução, fase que está longe de se destinar à defesa do MP”.
João Gouveia acabou por se tornar arguido no processo, mas por força da lei que determina que passa àquela condição “todo aquele contra quem for requerida instrução num processo penal”.
"Apesar desta decisão, consideramos este acórdão bastante positivo e que os objectivos foram atingidos. Conseguiu-se esclarecer melhor a posição do juiz", disse o advogado das famílias Vítor Parente Ribeiro.
O jurista aguarda agora a marcação do debate instrutório e a inquirição das três testemunhas: a directora da Universidade Lusófona, uma aluna desta instituição de ensino superior e o perito do Instituto de Medicina Legal.
"Não fiquei surpreendida nem foi uma surpresa. Pessoalmente, não esperava outra coisa. Mas, como sempre lutamos para que a verdade se saiba, também não podíamos deixar de fazer o que fizemos e de mostrar a nossa indignação perante um processo que tem sido muito nebuloso", afirmou também à Lusa Fernanda Cristóvão, mãe de Ana Catarina Soares, uma das vítimas.
No pedido de afastamento, os familiares acusavam o juiz de ter uma postura de "claro preconceito em relação aos assistentes” por este ter “indeferido a quase totalidade das provas requeridas”. O tribunal, contudo, recorda-lhes que as decisões do juiz podem ser “atacadas por via de recurso”.
Os pais das vítimas sublinhavam ainda a sua desconfiança face ao juiz por este ter considerado no mesmo despacho que a investigação seguiu todas as pistas, o que, no entendimento dos familiares, indiciava que o magistrado já estava convicto de que iria manter o arquivamento do processo antes de o apreciar.