Pedido da AR para devolução de dinheiro à candidatura de Cavaco "sem base legal"
O relatório da auditoria efectuada pela ECFP às contas da campanha das presidenciais de 2011 revela que a Assembleia da República pagou um total de 452.872 euros a Cavaco Silva em Fevereiro de 2011 e mandou devolver, em Julho, 158.424 euros. "Não tem a Assembleia da República base legal para mandar proceder à devolução da subvenção a que a candidatura tinha direito de acordo com os resultados eleitorais", defende a entidade presidida por Margarida Salema, no relatório da auditoria às contas da campanha presidencial de Aníbal Cavaco Silva, divulgado no final de Novembro no site do Tribunal Constitucional.
As contas indicam que a candidatura de Cavaco Silva, a única que teve que devolver dinheiro ao Estado, apurou uma receita total de 1.791.576 euros e uma despesa do mesmo montante, obtendo um resultado nulo com a campanha.
O financiamento das despesas foi assegurado através de subvenção estatal em 294.448 euros, correspondente a 16% das despesas, e através de donativos de 1.497.128 euros, correspondente a 84%.
No relatório, a ECFP presume que a AR tenha concluído pela devolução daquele montante "pelo facto de a despesa efectivamente realizada se encontrar coberta por receitas próprias em 1.497.128 euros, correspondentes ao montante dos donativos recebidos, numa interpretação que não tem base legal".
Questionada no passado dia 10 pela Agência Lusa sobre as afirmações feitas pela ECFP no relatório da auditoria à campanha de Cavaco Silva, o gabinete do secretário-geral da Assembleia da República não respondeu até ao momento.
A candidatura de Cavaco Silva ficou, em resultado da interpretação feita pela AR, numa situação de "clara desigualdade em relação às restantes candidaturas que, com resultados eleitorais inferiores e que com muito reduzidas receitas de angariação de fundos e donativos obtiveram uma muito maior subvenção estatal", lê-se, no relatório da Entidade.
É que a lei do financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais estipula que 20% da subvenção são distribuídos por igual entre as candidaturas presidenciais e os restantes 80% "em função dos resultados eleitorais".
No acórdão 744/2014, que julgou as contas das presidenciais de 2011, o Tribunal Constitucional optou por não se pronunciar sobre esta divergência entre a AR e a ECFP, afirmando que a questão levantada pela Entidade "é alheia" aos autos e extravasa o âmbito da apreciação da regularidade ou legalidade das contas da campanha.
No entanto, observou que a interpretação da lei que a Assembleia da República assumiu "pode ter influência no valor das subvenções pagas".
A ECFP considera no relatório que as contas feitas pela AR só podem ser entendidas se os serviços da Assembleia tiverem interpretado os n.º 4 e 5.º do artigo 18.º da lei do Financiamento dos Partidos e das Campanhas Eleitorais tal como foram aprovados originalmente 2003.
Aquele artigo estabelecia então que a subvenção não pode ultrapassar o valor das despesas orçamentadas e efectivamente realizadas, "deduzido do montante contabilizado como proveniente de acções de angariação de fundos´".
Ou seja, anteriormente abatia-se ao valor da subvenção o valor do montante de angariação de fundos e só se pagava o que faltasse para cobrir as despesas realizadas.
Foi o que aconteceu nas contas da campanha de Cavaco Silva, que tinha direito a uma subvenção de 452.872 euros.
Com uma despesa total de 1.791.576 euros e donativos declarados de 1.497.128 euros, a AR decidiu entregar apenas o montante para cobrir o que faltava das despesas, ou seja, 294.448 euros.
Contudo, sublinha a ECFP, este artigo foi alterado com a lei 55/2010, que se aplicou já nas presidenciais de 2011.
Na opinião da ECFP, as duas alterações introduzidas ao artigo 18.º mudaram o sentido da lei, limitando-se agora o artigo a referir que a subvenção pública "não pode, em qualquer caso, ultrapassar o valor das despesas efectivamente realizadas".
Por outro lado, o novo número 5 do artigo 18.º da lei diz que "o eventual excedente proveniente de acções de angariação de fundos, relativamente às despesas efectivamente realizadas, reverte para o Estado".
Mas esta hipótese, colocada pela alteração aprovada em 2010, "nunca se configurou até hoje", ressalta a ECFP, classificando até como "bizarra" a formulação que ficou plasmada na lei.