Duas entidades do GES/BES mexeram com milhões sem que se saiba porquê
Os mistérios chamam-se BESA Actif e a ES Enterprise.
Ricardo Salgado, José Manuel Espírito, Manuel Fernando Espírito Santo, Pedro Mosqueira do Amaral, todos do conselho superior do Grupo Espírito Santo, ou Amílcar Morais Pires (ex-administrador financeiro do BES) e Álvaro Sobrinho (ex-presidente do BESA) são alguns dos nomes que já estiveram no Parlamento no quadro da comissão de inquérito (que já ouviu a ministra as Finanças, os reguladores e auditores). Todos eles acompanhados dos seus advogados e munidos de discursos legalistas e tecnicistas, que não ajudam a clarificar as interrogações dos deputados.
O relatório da KPMG Angola de 31 de Dezembro de 2013, mas no qual constam as contas do BESA de 2012, refere, entre outros temas, que a sociedade gestora de fundos de investimento BESA Actif, apesar de ter sido dotada de mil milhões de dólares, por adiantamento para compra de imóveis, não dispunha à data de uma carteira de activos imobiliários, os beneficiários dos fundos aplicados pela sociedade não eram conhecidos e as quantias investidas não estavam garantidas. Ou seja: desconheciam-se os nomes dos utilizadores das verbas e onde foram aplicadas. A auditora alertou ainda para o incumprimento da legislação angolana.
Inquirido na quinta-feira na comissão de inquérito pelo deputado do PSD Carlos Abreu Amorim sobre os nomes dos beneficiários do BESA Actif, o ex-presidente do BESA Álvaro Sobrinho disse: “É uma pergunta muito complicada de responder.” E pediu ao deputado que lhe facultasse o relatório da KPMG Angola. Com o documento na mão, depois de passar os olhos por ele, fez um sorriso e observou que “gostava muito, mesmo muito” de poder responder, mas não podia devido ao sigilo bancário angolano. Abreu Amorim voltou a inquiri-lo sobre se um dos beneficiários do BESA Actif seria o empresário da construção civil José Guilherme (que terá oferecido uma alegada prenda a Salgado), mas o banqueiro luso-angolano fugiu à pergunta: “Sei quem é, mas não posso dizer quem é.” Oficialmente o BESA Actif é controlado em 62% pelo BESA, a 35% pela ESAF (gestora de fundos do Banco Espírito Santo) e em 3% por investidores individuais.
Sobrinho surpreendeu a comissão de inquérito, que o questionou sobre o alegado presente de 14 milhões de euros oferecido a Ricardo Salgado pelo construtor civil José Guilherme, quando surgiu a declarar: “Tive conhecimento da transferência. A operação foi ordenada pelo José Guilherme e fui eu o principal responsável por autorizar esta transferência."
A afirmação do banqueiro luso-angolano veio corroborar a tese de Ricardo Salgado, que dia antes o acusara de gestão danosa, segundo a qual, as três correcções à declaração de rendimentos de 2011 resultaram de uma prenda – antes tinha alegado tratar-se do pagamento de uma comissão a título pessoal – de José Guilherme.
Em 2012, ficou a saber-se que o ex-presidente do BES tinha liquidado mais 4,3 milhões de euros em IRS, face à colecta inicial de Maio (de apenas 183 mil euros, relativos à repatriação de verbas colocadas no exterior), ao abrigo de uma amnistia fiscal. A iniciativa de Salgado surgiu depois de terem sido detectados movimentos financeiros associados a sociedades off-shores de que era beneficiário, descobertos no quadro do dossier Monte Branco (investigação a fraude fiscal e branqueamento de capitais). Para movimentar o dinheiro, Salgado usou a gestora de fortunas suíça Akoya de que Álvaro Sobrinho e Hélder Bataglia, presidente da Escom, eram accionistas.
O PÚBLICO revelou já este mês ter sido detectada nova discrepância, agora entre 24 e 28 milhões de dólares, nos movimentos bancários associados a Ricardo Salgado, que este Verão foi constituído arguido, por suspeita de burla, abuso de confiança, falsificação e branqueamento de capitais. No âmbito das averiguações, é previsível que o Ministério Público esteja a procurar certificar a validade da prenda/comissão que alega ter-lhe sido entregue por José Guilherme, de modo a afastar as suspeitas de que os 14 milhões possam ser provenientes de outras operações efectuadas via BESA, nomeadamente do sinal pago pela Escom.
No final de 2010, Sobrinho e Salgado protagonizaram o negócio de compra e venda de 100% da Escom (grupo envolvido em negócios como o imobiliário), detida em 67% pela ES Resouces/Rioforte, em parceria com Bataglia (dono de 33%).
Depois de ter acordado com o Governo de Angola a venda da Escom a uma entidade local, e como Luanda não se decidia sobre quem seria o adquirente, o ainda presidente do BES pediu ajuda ao presidente do BESA para acelerar a negociação. A alienação da Escom, devedora de 500 milhões de euros ao BES, possibilitava a Salgado ir ao Banco de Portugal dizer que a empresa deixara o perímetro empresarial da família, o que reduzia a exposição do banco ao grupo.
O contrato de promessa compra e venda da Escom foi assinado no final de 2010 entre a ES Resources e a Newbrook, detida por Sobrinho. Saíram então de uma conta do BESA, de que Sobrinho era ainda presidente e Bataglia administrador, 85 milhões de dólares, 15 milhões dos quais serviram para pagar à ES Resources/Rioforte a Opway Angola. A restante parcela, cerca de 60 milhões de dólares, entrou na ES Resources, mas entretanto saíram. E é o desvio do sinal que está agora a ser investigado na Justiça.
Na semana anterior, na mesma comissão de inquérito, onde foi depor, Ricardo Salgado, desafiado a comentar a operação Escom, declinou: “Infelizmente não posso falar sobre o assunto da Escom porque ela está integrada no processo no qual eu sou arguido.” “Não gostaria que a minha situação fosse agravada nesse dossier”, rematou.
Já o presidente do BESI (Banco Espírito Santo de Investimento), José Maria Ricciardi, no mesmo local, optou por engrossar as suspeitas: “O sinal pago [pela Newbrook] foi de 15%, são os ditos 85 milhões de dólares. Ou pelo menos pensa-se que se recebeu. Está por provar se se recebeu a totalidade desse sinal.” Já nesta quinta-feira Álvaro Sobrinho admitiu que a Escom esteve para ser vendida à Sonangol em 2010, via Newbrook, e confirmou o pagamento dos 85 milhões e “que a entidade que o recebeu foi a Espírito Santo Resources". "Mas o seu destino não sei", acrescentou.
Outro tema que as audições até aqui não permitiram ainda clarificar prende-se com a existência, na esfera do GES-BES, de um veículo opaco de conhecimento “ultra-restrito”, a ES Enterprise (PÚBLICO, 12/12): uma espécie de saco azul usado para pagamentos de despesas não registadas. Nos últimos anos, via sociedades suíças Eurofin, foram transferidos para o Espírito Santo Enterprise cerca de 300 milhões de euros.
A matéria está no centro das investigações do Ministério Público ao GES/BES que procura apurar o rasto dos 300 milhões de euros – ou seja, as autoridades querem saber quem foram os destinatários das transferências não documentadas do dinheiro. Esta informação possibilitará o cruzamento com entradas de fundos em contas tituladas por entidades associadas a outras inquirições em Portugal, ou em Angola.
A natureza opaca do ES Enterprise, que nunca constou do organograma do grupo, foi reflectida num comentário do ex-administrador executivo do BES José Manuel Espírito Santo, quando depunha no Parlamento. Inquirido sobre o veículo disse: "Tive conhecimento dele há pouco tempo.” “Nunca tive conhecimento das operações que fazia.” Contou ainda que, apesar de ter levantado dúvidas, não lhe foi explicado de que entidade o ES Enterprise dependia. Mas, pelo que lhe foi dito, “era uma sociedade que fazia serviços partilhados no GES”.