Memorando da troika estabelece apenas a “venda” da TAP
Documento não pormenoriza se a venda é parcial ou total, ao invés do que sucede com a REN e EDP. Polémica abriu nova frente de confronto entre Governo e PS.
A divergência levou ontem o secretário-geral do PS, António Costa, a desmentir o primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho. Para o socialista, a venda prevista é apenas parcial; para o governante social-democrata, o que sempre esteve em cima da mesa é a venda total da transportadora aérea portuguesa, que o Governo espera concretizar nos primeiros meses do próximo ano.
Já este sábado, a polémica sobre quem, afinal, tem razão adensou-se com o vice-presidente e porta-voz do PSD, Marco António Costa, a desmentir o desmentido feito na véspera pelo secretário-geral do PS.
“Recomendo ao Dr. António Costa que leia o ponto 17 do memorando original de entendimento com a troika. Lendo-o, não lhe restarão dúvidas de que o que está previsto é que a TAP será vendida totalmente. Por agora, ou foi mal informado ou então está a mentir”, disse Marco António Costa.
Ao PÚBLICO, o secretário-geral do PS, questionado através da sua assessoria de imprensa, fez saber que mantém o que dissera: defende que a venda prevista é parcial e não deseja comentar as declarações feitas já neste sábado pelo porta-voz do PSD.
O que diz o memorando
A questão vem estabelecida no ponto 17 do Memorando de Políticas Económicas e Financeiras, na sua versão em inglês. Existe uma versão traduzida para português, mas a inglesa é a oficial e é a que conta face a eventuais divergências de interpretação.
“Estamos empenhados em avançar ainda mais” no capítulo das privatizações, lê-se no documento. Isto, “levando a cabo a alienação acelerada da totalidade das acções detidas na EDP e na REN e esperamos que as condições do mercado permitam a venda destas duas empresas, assim como da TAP, até finais de 2011”.
Ora, se no caso da EDP e da REN os subscritores do memorando fizeram questão de deixar bem claro que está em causa a “alienação” da totalidade das empresas, já quanto à TAP apenas se aponta a sua “venda”, não se pormenorizando se é parcial ou total.
Por outro lado, no início desse ponto, em que se salienta a “intenção de acelerar o programa de privatizações”, é revelado que existia um plano anterior com “horizonte temporal até 2013” que pretendia alcançar receitas imediatas de cerca de cinco mil milhões de euros até ao final do referido programa, sendo prevista apenas a alienação parcial para todas as empresas de maior dimensão”. Porém, os subscritores do memorando dizem logo de seguida estarem “empenhados em avançar ainda mais”.
Esse plano anterior “cobre todos os transportes (Aeroportos de Portugal, TAP e CP Carga), o sector da energia (Galp, EDP e REN), o sector das comunicações (Correios de Portugal) e o sector dos seguros (Caixa Seguros), assim como uma série de empresas de menor dimensão”, refere ainda o memorando.
Na sexta-feira, António Costa aproveitou para se pronunciar sobre o assunto. "Ao contrário do que diz o primeiro-ministro, o que estava no Memorando de Entendimento com a troika [assinado também pelo PS] não era a previsão de uma privatização a 100% da TAP. Não, o que estava no Memorando de Entendimento era que a TAP só seria privatizada parcialmente e nunca na sua totalidade", garantiu o recém eleito novo líder socialista no jantar de Natal da distrital do PS Porto, que decorreu em Vila Nova de Gaia.
Na opinião do secretário-geral do PS, já nem "é necessário privatizar a TAP, porque o objectivo aí previsto [no memorando] já foi alcançado e, por isso, o melhor que [Passos Coelho] tem a fazer é não vender a TAP e manter esse activo estratégico para o país". Nesta lógica, Costa recorda que a meta prevista para as privatizações era de cinco mil milhões de euros e que, "neste momento, o Estado já privatizou mais de oito mil milhões de euros, bastante mais do que era a meta prevista” no documento.
No debate quinzenal desta sexta-feira no Parlamento, Passos Coelho sublinhou que a privatização da TAP “criticada pelo doutor António Costa [que defendeu anteriormente que o Estado não deve perder o controlo da empresa] era um dos objectivos inscritos no Memorando de Entendimento”. Para Passos, está em causa “uma privatização da TAP a 100%” que demonstra “até onde ia o neoliberalismo" em Maio de 2011, quando o acordo foi assinado.