Universidade do Algarve está a criar pepinos-do-mar em terra

Os chineses correm meio mundo em busca de uns animais, com o corpo em forma de chouriço, que fazem as delícias à mesa dos orientais – são os pepinos-do-mar, desprezados pelos portugueses. No mercado asiático, depois de secos, chegam a custar 150 a 200 euros por quilo.

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Um dos pepinos-do-mar estudados na estação-piloto do Ramalhete, Algarve Raquel Costa/Stills

No Centro de Ciências do Mar da Universidade do Algarve, a investigadora espanhola Mercedes González Wangüemert, está a investigar há cinco anos aos pepinos-do-mar. Antes, esteve em Girona e Múrcia, Espanha, a estudar a genética de populações marinhas de outros animais, como pargos e lesmas-do-mar. Está preocupada com a inexistência de legislação que proteja estes invertebrados marinhos em risco de extinção nalguns pontos do globo e defende a monitorização das capturas. “Não existe legislação que regule a pescaria. A zona Norte da Turquia foi dizimada, e agora viraram-se para sul, colocando em perigo a sobrevivência das espécies.”

A partir do Norte de Marrocos estão agora a ser exportadas “toneladas de pepinos-do-mar” para São Francisco, nos Estados Unidos, onde há uma importante comunidade chinesa. A informação sobre o que se está a passar nesses mares tem-lhe chegado através de um investigador local que colabora com a equipa da Universidade do Algarve.

Nos mares do Índico e Pacífico, devido à procura desenfreada, há zonas onde estes animais quase desapareceram por completo. Por isso, uma vez esgotados os recursos nas zonas dos trópicos, as capturas passaram a fazer-se no Mediterrâneo e no Atlântico europeu. Além do valor nutricional (possíveis antioxidantes e ácido gordo ómega-3), pode ainda ser utilizado na obtenção de substâncias para fins terapêuticos. Na ausência de normas que protejam estes animais, as capturas são livres.

No Algarve, entre a comunidade piscatória, os pepinos-do-mar são conhecidos pelo nome popular que deriva da sua forma fálica. O tamanho médio da espécie Holothuria arguinensis oscila entre 15 a 20 centímetros, mas na ilha da Culatra, na ria Formosa, já foi encontrado um exemplar com 65 centímetros.

A equipa do Centro de Ciências do Mar da Universidade do Algarve, que inclui dez investigadores, conseguiu entretanto reproduzir pepinos-do-mar em sistema de aquacultura, na estação-piloto do Ramalhete, na ria Formosa. Nasceram há cerca de três meses as primeiras crias de uma das espécies de pepinos-do-mar de maior valor comercial – precisamente a Holothuria arguinensis, existente no Algarve, na costa ocidental de Portugal até Peniche, nas ilhas Canárias e no Noroeste de África.

“Isto é como cuidar de uma criança”, comenta Mercedes González Wangüemert, a coordenadora do projecto, ao observar o aquário os 40 juvenis, com 1,5 centímetros de comprimento.

É neste mundo aquático da Estação Experimental do Ramalhete – instalada num velho armazém de apoio às antigas armações de atum da Companhia de Pescarias do Algarve, perto de Faro, e rodeada de salinas – que a vida corre numa aparente tranquilidade. Jorge Domínguez Godino, um jovem biólogo espanhol com um doutoramento nesta área, recorda o momento em que, através de um choque térmico, na última Primavera, promoveu a reprodução induzida da Holothuria arguinensis – os machos lançaram o esperma na água, as fêmeas os óvulos e natureza fez o resto. O resultado não podia ser melhor. “Um êxito”, enfatiza.

Na fase seguinte, para o próximo ano, espera que não faltem apoios financeiros para levar a cabo o estudo noutras latitudes. “Ainda falta saber muito sobre estes animais”, comenta Jorge Domínguez Godino, lembrando que há 66 espécies comestíveis de pepinos-do-mar.

Próximo passo: a produção em escala
O CumFish, como se chama este projecto de investigação iniciado em 2012 e a terminar no próximo mês de Janeiro, permitiu estudar as cinco espécies de pepinos-do-mar sobre as quais se exerce a maior pressão a nível mundial: além da Holothuria arguinensis, a Holothuria polii e Holothuria tubulosa (que se encontram só no Mediterrâneo) e a Holothuria mammata e Parastichopus regalis (que se encontram Mediterrâneo e Atlântico).

A reprodução conseguida no Algarve revestiu-se de particular significado por ser de uma das espécies de pepinos-do-mar mais cobiçadas, e não se conheciam as formas de a fazer multiplicar fora do seu habitat. O sucesso, explicou a coordenadora do projecto, foi conseguir fazer a passagem da fase de larva para juvenil, que é marcada pela “ocorrência de muitas mortes”, tanto em meio natural como em aquacultura. Por outro lado, salienta que, em paralelo, a equipa do Centro de Ciências do Mar “fabricou” as microalgas para alimentar as crias.

Entretanto, o Outono foi trazendo o frio e a temperatura da água dos tanques e do mar baixou. E os pepinos-do-mar mudaram de hábitos. Para se protegerem do frio, agruparam-se como se estivessem à lareira. “Muito interessante”, observa Mercedes González Wangüemert.

Centrado na estação do Ramalhete, o trabalho contou com uma vasta rede internacional de parcerias, de que se destaca a Universidade de Ordu, na Turquia, a Universidade de Reunião, na Polinésia Francesa, Museu de História Natural de Paris, o Instituto de Ciências Marinhas da Austrália e o Instituto de Investigações Marinhas e Costeiras, na Colômbia. “Juntámos esforços e unimos os conhecimentos”, observa Mercedes González Wangüemert, sublinhando ainda contributos de cientistas no Irão, Grécia, Itália, Holanda, Panamá e Reino Unido.

Para o avanço deste projecto, a investigadora considera que foram determinantes os 163 mil euros da Fundação para Ciência e a Tecnologia, além de outros 88 mil euros de outras entidades. “Não me posso queixar”, diz. “Em tempo de dificuldades, é importante valorizar a transferência de conhecimento para a investigação aplicada”, observa, sublinhando a necessidade de dar seguimento ao projecto, com vista a produzir pepinos-do-mar em aquacultura.

Nesse sentido, a equipa ultima uma proposta em que prevê um investimento de 250 a 300 mil euros, nos próximos três anos, para saltar da fase de laboratorial para a produção na escala das toneladas.

É certo que os chineses já cultivam pepinos-do-mar em aquacultura há décadas. Mas são espécies da região, diz Mercedes González Wangüemert. A maior parte da produção, cerca de 80%, é obtida em sistema de aquacultura (100 mil hectares), na província chinesa de Shandong. Em 2010, a China produziu 100 mil toneladas de pepinos-do-mar, mas a produção não chega para as encomendas. É por isso que ter conseguido reproduzir em aquacultura uma espécie de grande valor comercial como a Holothuria arguinensis é importante.

Da Turquia, em 2012, a China importou mais de 600 toneladas de pepinos-do-mar. Mas as suas importações globais vão para além disso: por exemplo, em 2011 importou 6000 toneladas, sendo o país com a maior fatia de importações destes animais (Singapura ou a Malásia também os importam, mas em quantidades muito mais pequenas).

"Cozinhei-os com cerveja e é muito bom”
Em Portugal, não existe sequer tradição no consumo destes bichos, mas as coisas poderão estar a mudar. “Já encontrámos duas ou três pessoas a pescar na ria Formosa. Julgamos que será apenas para consumo local, nos restaurantes chineses”, refere Jorge Domínguez Godino.

Em Quarteira, o mestre da pesca do polvo José Agostinho fala do lado não científico do seu contacto com os pepinos-do-mar. “Quando apanhamos esses bichos – e durante o Verão aparecem com frequência nos covos –, devolvemo-los ao mar, porque ninguém lhes dá valor”. Do que se recorda, José Agostinho diz que “só há dois ou três anos é que apareceu um indivíduo a dizer que pagava entre 70 a 90 cêntimos por quilo”.

O pepino-do-mar, depois de capturado, é submetido a uma operação de limpeza em que lhe é retirado todo o aparelho digestivo e fica a secar. Quando chega à cozinha, é confeccionado como se fosse polvo. Apesar da falta de hábitos de consumo destas espécies em Portugal, José Agostinho garante: “Cozinhei pepinos-do-mar com cerveja, e é muito bom.”

Em Sesimbra, há cerca de sete meses, instalou-se uma empresa de capitais da Malásia para começar a exportar este produto. Mas não foi bem-sucedida. Ao fim de dois meses, cancelou o contrato de aluguer do armazém à empresa Docapesca, porque as capturas feitas pelos pescadores da zona não terão obtido a quantidade e a qualidade que esperariam. “Provavelmente, faltou-lhes o conhecimento”, observa Mercedes González Wangüemert, que gosta de meter os pés e as mãos nos sapais da ria Formosa para estudar a morfologia destes animais – bonitos aos olhos dos cientistas, mas não de toda a gente.

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