A nossa floresta agridoce
A multiplicidade dos valores gerados e das funções e serviços que nos presta, muitos dos quais não valorizados pelo mercado, fazem dela, em conjunto com o sector transformador que lhe está associado, um dos mais importantes activos da nossa economia e da nossa sociedade. Infelizmente, também se trata de um sector cheio de contradições, de constrangimentos e de riscos quanto ao seu futuro.
De facto, não só está longe de ter atingido o seu valor potencial, como, nas últimas décadas, tem sido objecto de um processo, lento e complexo, de declínio, com reflexo na redução de algumas áreas florestadas, nos incêndios, na proliferação de pragas e doenças e na redução da produtividade dos povoamentos.
As causas, radicam numa multiplicidade de factores que interagem entre si, envolvidos num verdadeiro círculo vicioso, que ninguém ainda conseguiu resolver, apesar de haver uma clara unanimidade política nos diagnósticos.
A ausência de gestão activa e o extremo fraccionamento da propriedade, de muitas áreas florestais, conduzem à sua rentabilidade negativa e, consequentemente, ao seu abandono, aos incêndios e às pragas e doenças, que aumentam o risco e o desinteresse dos investimentos.
O círculo vicioso, não só se mantém, como se tem agravado, indiferente às políticas públicas que, mesmo quando generosas, não conseguem mobilizar as alterações necessárias no comportamento dos agentes privados (a maioria esmagadora dos proprietários florestais), no sentido da gestão racional do sector.
A situação, actual e do passado recente, não sendo idêntica para todas as fileiras florestais, tem muitos elementos comuns, quer nas causas, quer nas consequências, apesar de se revelarem com amplitudes diferenciadas.
A mais penalizada é, sem dúvida, a fileira do pinhal, fustigada de forma muito expressiva, pelos incêndios, pelas pragas (sobretudo pelo nemátodo da madeira do pinheiro) e pelo abandono (redução de mais de 250 mil hectares nos últimos 20 anos), com graves consequências económicas e sociais, para o país e para as regiões onde esta espécie é dominante.
A fileira do eucalipto, parece respirar saúde, se tivermos em conta os resultados económicos da indústria transformadora. Contudo, a manter-se a situação actual, não terá razões para prever o futuro com optimismo.
A floresta de eucalipto, a despeito do aumento da área ocupada (cerca de 100 mil hectares nas últimas duas décadas), tem vindo a ver reduzida a produtividade física dos povoamentos, particularmente dos mais envelhecidos, e também se vê a braços com pragas e doenças que a afectam de forma significativa (sobretudo o gorgulho, mas também a broca).
Entretanto, a circunstância que mais pode penalizar o futuro destas duas fileiras, é o crescente desfasamento entre a procura da indústria transformadora e a oferta nacional de matérias-primas, só colmatável através de importações, baratas na origem mas caras no destino que, além de constituírem um recurso muito pouco garantido, retiram competitividade ao tecido industrial e mais-valias potenciais à nossa economia.
Especificamente quanto ao eucalipto, que desde há muito se tornou um assunto de polémica em Portugal, não penso que seja uma árvore maldita, muito pelo contrário.
Ela é biologicamente fantástica, quer pela sua resistência, rapidez de crescimento e mecanismos de defesa, quer pelo facto de ser a espécie que, em Portugal, mais carbono sequestra, o que não deixa de ser importante.
Considero que, de uma forma geral, as campanhas contra o eucalipto são pouco esclarecedoras e pouco fundamentadas. As questões fundamentais deveriam abandonar o ódio à árvore e centrar-se nas condições de exploração dos povoamentos e na sua adaptação ao meio.
Haverá, certamente, áreas onde os eucaliptos não deveriam estar, designadamente, porque aí não têm condições satisfatórias de crescimento, e outras onde deveriam estar a gerar riqueza para os proprietários e para o país, sem prejudicar o ambiente.
A fileira do sobreiro e da cortiça, bastante mais específica, vive uma situação com pontos comuns com as outras fileiras (declínio, doenças e pragas, produtividade), mas tem vindo a conseguir enfrentar, com sucesso, a ameaça à utilização das rolhas – a principal valorização da cortiça – concentrada na concorrência de substitutos de baixo valor, metálicos e plásticos.
Quanto aos incêndios, tudo tem sido dito, e redito, quer sobre a sua importância, quer sobre as suas causas e consequências. Infelizmente, apesar da protecção divina que nos poupou este ano, os incêndios continuam, sem dúvida, a constituir o principal factor de risco que paira sobre o futuro das nossas florestas.
Como se poderá então quebrar o círculo vicioso? Depois de tudo o que já vi, ouvi e li, o único caminho que permitirá quebrar o círculo vicioso que penaliza e inviabiliza uma parte significativa da floresta, levando lentamente ao seu declínio, é o caminho do associativismo florestal, activo e participado.
Um associativismo consciente, informado e independente. Um associativismo não parasitário e que não se deixe sequestrar por interesses alheios à floresta e aos seus valores e funções. Um associativismo com apoio público, franco e sem reticências, mas que seja permanentemente avaliado pelos seus resultados objectivos e que seja capaz de unir os agentes económicos, todos eles, em torno do interesse nacional.
Há, no entanto, um ponto e este será o final, sobre o qual penso que o Estado tem obrigações especiais, das quais se não pode demitir. Trata-se das doenças e pragas que, segundo os especialistas, atingem mais de 20% das nossas florestas e para as quais não se conhecem antídotos eficazes.
Do meu ponto de vista, isto acontece porque se não investe suficientemente na sua avaliação e combate e porque se não federam capacidades técnicas e cientificas suficientes, alargando-as à Europa e ao mundo, se necessário.
Agrónomo (ISA), ex-ministro da Agricultura