Smart drugs, cyborgs e outras visões do futuro
Uma especialista em fármacos para estimular o cérebro e um cientista que tem implantes magnéticos nos dedos falaram de neuro-potenciação no Fórum do Futuro
Apresentada pelo físico e biólogo Alexandre Quintanilha e moderada pela professora de ciência e ética Ilina Singh, a sessão teve um início algo turbulento, com uma espectadora a lembrar as muitas pessoas que tentaram assistir mas já não conseguiram lugar no Pequeno Auditório do Rivoli e continuavam aglomeradas à porta do teatro.
Professora em Cambridge e presidente da International Neuroethics Society, Sahakian veio trazer um resumo dos avanços na farmacologia destinada a potenciar o cérebro, inventariando as suas vantagens e os seus riscos, e as questões éticas que estes medicamentos já hoje levantam e poderão levantar no futuro.
A cientista começou por deixar claro que a neuro-potenciação não se resume às chamadas smart drugs, como o metilfenidato, comercializado como Ritalina, mas que também substâncias que muitos usam diariamente, como a cafeína ou a nicotina, estimulam o cérebro. E acrescentou-lhes a educação e o exercício físico. Uma e outro, explicou, geram novas células cerebrais.
Sahakian usa o metilfenidato e a atomoxeina, uma droga recente que provou actuar de forma mais selectiva, em crianças e adultos com Transtorno do Défice de Atenção e Hiperactividade (TDAH), mas também em esquizofrénicos ou pessoas que sofrem de narcolepsia. Os dados disponíveis sugerem que estas drogas não só aumentam a cognição, mas também a eficiência do cérebro, reforçando ainda o prazer que se sente na execução de tarefas intelectuais.
Sahakian sublinha a sua utilidade para tratar crianças e adultos com TDAH grave, pessoas com narcolepsia e esquizofrénicos. Se as alucinações e outras manifestações mais graves da esquizofrenia são razoavelmente controladas através de anti-psicóticos, diz Sahakian,“o problema é que estes doentes ficam com desordens cognitivas e não conseguem regressar à universidade ou ao trabalho”. É aí, conclui, que o metilfenidato se mostra eficaz.
São drogas cada vez mais consumidas, também, por pessoas saudáveis, quer em contexto académico, quer, por exemplo, por trabalhadores que fazem turnos à noite. Quanto aos seus riscos, a cientista lamenta que não existam ainda dados para se perceber como afectam o cérebro a longo prazo, e receia que possam vir a transformar-se num factor de desigualdade, ficando vedadas a quem não tiver meios para as adquirir. Mostra-se ainda preocupada com possíveis cenários futuros de uso coercivo.
A segunda parte da sessão ficou a cargo de Ian Harrison, doutorando de Kevin Warwick, um cientista da Universidade de Reading, em Inglaterra, que se tornou célebre ao implantar, em 2002, um chip no nervo mediano do seu braço esquerdo, que lhe permitiu manipular um braço robótico com o pensamento. A mulher do cientista, Irena, implantou também um chip, e ficou demonstrado que conseguiam transmitir sinais de cérebro para cérebro, fazendo dois sistemas nervosos comunicar electronicamente pela primeira vez.
Foi com este projecto que Harrison iniciou a sua intervenção, mostrando um hoje algo hilariante filme feito na época, que apresenta enfaticamente Warwick como “homem-máquina” e o mostra a profetizar que “daqui a 30 anos todos teremos chips no cérebro, a Terra será controlada por cyborgs e os humanos serão uma subespécie”.
O desenvolvimento desta tecnologia já permitiu a Warwick mover um braço robótico a milhares de quilómetros de distância ou fazê-lo pegar num ovo sem o quebrar, exemplificou Harrison, que fechou com a apresentação dos implantes magnéticos subcutâneos, a sua área de investigação.
“Pondo as coisas simplesmente, tenho magnetos em dois dedos”, explicou, voltando o ponteiro laser para a sua mão, na qual se viram brilhar duas luzes verdes. Têm 3mm de diâmetro e 0,7mm de espessura e colocou-os em 2009. Mostrou imagens da intervenção, confiada a um famoso tatuador e especialista de body modification, Mac McCarthy, vulgo Doctor Evil.
Os implantes permitem-lhe aperceber-se de vários tipos de ondas que os sentidos humanos não captam e provocam sensações físicas desconhecidas, como “um tipo de vibração muito agradável” que Harrison tem dificuldade em descrever, mas que poderá explicar a notícia de que “um tipo pôs uma coisa destas nos seus genitais”.
Os implantes permitem ainda a Harrison detectar diferenças mínimas na frequência de ondas sonoras, tão pequenas que o ouvido humano não as distingue, além de, por exemplo, o fazerem sentir as ondas emitidas pelos sensores das lojas. Estes dispositivos estão a ter sucesso no campo da electrónica , diz o cientista, porque permitem distinguir imediatamente os fios que têm ou não têm corrente. O que leva de novo, como a questão das smart drugs, a possíveis cenários de uso coercivo. Como sugeriu no final Ilina Singh, basta pensarmos no contexto militar para percebermos que estas tecnologias irão levantar no futuro questões éticas complexas.