Siza, o grego, Moneo, o romano: dois clássicos
Álvaro Siza e Rafael Moneo, dois "Pritzkers" ibéricos, deram uma aula no Rivoli sobre os seus projectos de intervenção em cidades: Porto, Lisboa e Madrid. Trabalhar na sua cidade é o melhor que pode acontecer a um arquitecto, defendeu Moneo.
E está visto que, mesmo em tempos de reconhecida crise, a arquitectura continua na moda. O apelo dos prémios Pritzker, associado ao carisma dos dois portuenses que ostentam o título, também desempenhará o seu papel nesta corrida às sessões do Fórum do Futuro em que aquela disciplina tem estado em debate.
Depois da enchente de segunda-feira com Eduardo Souto de Moura e Jean Nouvel, quinta-feira o Rivoli voltou a encher-se maioritariamente com estudantes de blocos de apontamentos na mão a registar a lição de dois outros vultos da arquitectura: Álvaro Siza (n. Matosinhos, 1933) e o espanhol Rafael Moneo (n. Navarra, 1937).
Nuno Grande, a quem coube apresentar e moderar este encontro destinado a abordar A arquitectura na reconstrução da cidade – depois da abertura da sessão por Paulo Cunha e Silva, o inventor do Fórum –, começou por lembrar que Siza e Moneo são amigos há quase meio século. “São dois expoentes máximos da arquitectura europeia contemporânea, que se inscrevem na longa tradição dos construtores, dos engenheiros militares, dos mestres e arquitectos ibéricos”, notou o arquitecto e professor.
Recorreu, depois, ao texto com que o júri do Pritzker, nas palavras do norte-americano John Carter-Brown, tanto em 1992, ano de Siza, como em 1996, ano de Moneo, elogiou as obras respectivas. Sobre a arquitectura do português, disse tratar-se de “um júbilo para os sentidos e para a elevação do espírito", onde "cada linha e cada curva é colocada com talento e segurança". Sobre Moneo, disse-se tratar-se de “um criador ecléctico”, que sempre soube "seleccionar e usar o melhor das suas fontes", acrescentando-lhe "a sua própria criatividade, flexibilidade e frescura" .
Depois de enunciar e interpretar o que há de específico, mas também de comum, entre os dois arquitectos ibéricos, Nuno Grande arriscou esta síntese, que pareceu cair bem na mesa, e na plateia: “Ambos partem do melhor da tradição clássica: Siza, com uma obra mais fragmentária, é grego, Moneo, mais monumental, é romano. São duas formas de pensar e reconstruir a cidade".
Moneo e Madrid
Coube a Rafael Moneo iniciar a apresentação da sua obra, incidindo exclusivamente nas suas intervenções na cidade que habita desde há décadas, Madrid. “Nada é melhor, para um arquitecto, do que poder trabalhar para a sua cidade; é aí que a sua carreira ganha verdadeiro sentido”, disse, lembrando que o seu primeiro projecto na capital espanhola data de 1972.
Moneo mostrou, documentou e falou de cinco projectos no Passeio da Castelhana, desde o Banco de Espanha até à ampliação da estação ferroviária de Atocha, passando pelas intervenções mais mediáticas nos museus Thyssen-Bornemisza e do Prado.
Sobre cada um destes edifícios, mais detalhadamente sobre os dois últimos, mostrou, com gravuras e outras imagens históricas, como cada um deles traz consigo uma grande carga histórica, cabendo ao arquitecto respeitar esse passado, mas sem se remeter a um estado de “contemplação historicista”.
Neste sentido, a sua intervenção mais marcante, por mais visível o diálogo com o pré-existente, é a do Museu do Prado, onde Moneo foi chamado a criar um novo corpo ligando-o ao edifício histórico, que começou por ser um palácio real. “Trata-se de um edifício equívoco, já que é uma sobreposição de dois de épocas diferentes", mas que o arquitecto ligou de forma funcional criando um amplo hall para o acolhimento dos visitantes.
No caso de Atocha, Moneo mostrou também a sua evolução desde o edifício original, a Estação do Meio-Dia de 1851, até ao actual, já adequado à alta-velocidade dos comboios AVE e ao interface com o metro.
“O trabalho do arquitecto não termina nunca, a cidade está sempre em construção”, realçou o arquitecto espanhol.
Siza em Lisboa e no Porto
A ideia de que “o trabalho de recuperação é uma coisa que nunca acaba” foi também subscrita por Siza, que falou da recuperação do Chiado depois do grande incêndio de 1988, de um segundo projecto em Lisboa, na Rua do Alecrim, e do seu projecto, ainda não concretizado, para a Avenida da Ponte, no Porto.
Sobre o Chiado, Nuno Grande tinha dito que Siza tinha sido “mais pombalino do que o próprio Marquês do Pombal”. O arquitecto começou por mostrar mapas, gravuras e outras imagens da Baixa Pombalina para explicar que ela é uma espécie de “edifício único”, onde não faria sentido introduzir ruído novo.
Recordou a polémica, e as críticas que então recebeu por não ter aproveitado a circunstância do incêndio como “uma oportunidade para introduzir arquitectura moderna na cidade”. Lembrou que, tanto ele, como os responsáveis políticos da época na cidade, decidiram “manter integralmente as fachadas dos 18 edifícios intervencionados”. Já no final da sessão, na fase das respostas a questões da plateia, Siza utilizaria uma imagem curiosa para justificar essa sua opção: é como se lhe tivesse caído um botão do casaco e ele quisesse substituí-lo por um novo… que não cabia na casa.
A urbanização para a Rua do Alecrim foi já desenhada sobre uma base diferente, já que “o lugar e a força do existente era também diferente”, notou.
Siza demorou-se mais, depois, na apresentação do seu projecto para a Avenida da Ponte (na realidade são dois, um primeiro realizado em 1968, que depois foi actualizado por altura do Porto 2001 - Capital Europeia da Cultura). Explicou que a segunda versão teve como “pedra de fundação” o edifício de Fernando Távora a repor a Casa dos 24, que "veio dar de novo escala” à envolvente da Sé, depois das demolições realizadas à sua volta, na década de 1940, pelo Estado Novo. Um edifício para o Museu da Cidade e a reposição de habitações entre a Sé e a Estação de São Bento são o programa essencial deste projecto, que, a ser concretizado, resolveria o buraco aberto pela construção da Avenida da Ponte, na Baixa do Porto.
Também já no fim de uma sessão que se prolongaria por três horas, Siza deixou uma crítica à ideia, “agora muito em voga, de que é preciso animar a cidade, criar eventos que dêem vida urbana, com esculturas, instalações... e barracas para as alturas festivas".
Se uma cidade, por princípio, tem horror ao vazio, os seus habitantes também têm direito ao silêncio, defendeu Siza.