Lembra-se de desenhar desde sempre e de passar horas a ver documentários sobre a vida animal. Diogo Guerra, nascido em Lisboa e a trabalhar em Zurique, na Suíça, aliou o melhor dos seus dois mundos: a medicina veterinária com a ilustração científica de animais. O jovem tem como objetivo consciencializar as pessoas para a importância que as ilustrações e a imagem têm para comunicar em ciência.
Como surgiu a paixão pela ilustração científica?
Desde sempre fui apaixonado pelas artes visuais. Creio que a ilustração, e especificamente a ilustração científica, foi algo inconsciente mas que desde o início esteve lá. Lembro-me que quando era pequeno gostava de acordar cedo e ver os documentários da National Geographic que davam sobre animais e depois passava o fim de semana todo a desenhá-los. Os meus pais contam que na altura o que eu dizia era que quando crescesse ia para África com uma máquina fotográfica e um bloco para desenhar animais. É curioso que não imaginava que um dia podia trabalhar em algo assim, não tinha noção nenhuma do que era o conceito de ilustração científica. Depois, mais tarde, como gostava muito de animais e tinha um grande interesse em saber como eles funcionavam, frequentei o curso de Medicina Veterinária e foi durante o curso que percebi que havia esta área. Comecei a fazer para mim próprio alguns desenhos, que me ajudassem a memorizar o que tinha que usar nos exames, e desde então começou a surgir um potencial interesse na ilustração científica que, mais tarde, acabou por se concretizar.
És médico veterinário de formação. Como chegaste a ilustrador científico?
Fiz o mestrado integrado em Medicina Veterinária na Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Lisboa. Depois vim para Zurique, na Suíça, trabalhar na minha tese de mestrado durante seis meses, num projeto de investigação relacionado com a parasitologia. Entretanto acabei por ficar mais algum tempo e houve a possibilidade de fazer um curso de ilustração científica na Universidade de Zurique, que era algo que já queria ter feito em Lisboa. Foi fantástico! Achei que eram as melhores horas da minha semana. Comecei a notar que, desde que tinha entrado na universidade, o tempo que dedicava ao desenho tinha sido muito reduzido. Foi quase como um acordar para uma série de sentimentos que tinha esquecido que existiam e decidi apostar nessa área. Comecei a notar que havia uma oferta muito pouco especializada de ilustradores médicos na parte da medicina veterinária e achei que podia juntar o meu know-how com esta paixão pelo desenho, ainda mais neste nicho de mercado – em termos de freelancer há menos de meia dúzia de pessoas no mundo a fazer isto só para medicina veterinária.
O que gostas mais de ilustrar?
Sinceramente, e não é para ser politicamente correto, acho que todos os projetos são bastante interessantes. Noto que ao concluir cada projeto se aprende um pouco mais e isso faz com que o próximo se torne mais ambicioso porque há mais conhecimentos técnicos que queremos experimentar. Quando vemos os resultados a ficarem cada vez melhores, o último projeto vai parecer sempre o melhor. É algo contínuo e é um sentimento muito bom quando isso acontece.
Que trabalho te deu mais gosto fazer?
Não sei se foi o que me deu mais gosto fazer, mas foi sem dúvida diferente e deu-me alguma satisfação: foi um projeto que fiz para uma revista científica. Queriam um editorial para cobrir uma conferência e necessitavam de um desenho não tanto científico, mas mais conceptual que ilustrasse os tópicos da conferência. Esse projeto deu-me muito gozo porque me permitiu ser um pouco mais criativo e foi, sem dúvida, interessante.
É necessária muita pesquisa antes de se iniciar uma ilustração?
Sim, a pesquisa é sempre fundamental. O que noto, pelo facto de ter estudado medicina veterinária, é que o contacto com os clientes é muito mais fácil porque sei exatamente o que querem dizer e isso faz com que a pesquisa em si seja muito mais eficiente porque sei exatamente o que procurar e onde procurar. Mas é um processo muito bom, porque não só se está preparar um trabalho para um cliente, como se aprende imenso em termos de conhecimentos científicos. Como a medicina veterinária é um campo variado, composto por tantos e diferentes sistemas de anatomia e fisiologia, a preparação é fundamental. Há todo um conjunto de particularidades que tornam o processo muito interessante.
Quanto tempo, em média, pode demorar a fazer uma ilustração?
É muito variável. Se forem ilustrações técnicas, mas mais simplificadas, pode demorar cerca de dois, três dias. Depende muito porque é preciso elaborar um esboço, que precisa de ser aprovado, e isso acaba por prolongar mais o tempo oficial da ilustração. Mas ilustrações mais complexas, que não sejam digitais, ilustrações a carvão ou a tinta-da-china, podem demorar uma semana até ficarem completamente concluídas. Os detalhes, teoricamente, nunca acabam. Uma ilustração pode ficar indefinidamente a ser concluída.
Como vês o mercado das ilustrações científicas em Portugal?
Sei que há muitos e bons ilustradores em Portugal, o que é fantástico para um país tão pequeno. Na parte da medicina veterinária, sinto que em termos de clientes também poderá haver um grande número, porque é um mercado que está muito saturado. No entanto, o investimento que nesta altura pode ser feito em projetos relacionados com a ilustração não é tão grande quanto se desejaria.
A ilustração científica é mais ciência ou mais arte?
Acho que é uma boa mistura das duas e é isso que torna a ilustração científica tão atrativa para mim. Há uma criatividade envolvida, não só na forma como se faz o desenho, mas também na melhor maneira de explicar o que se pretende ao leitor. Mas também há todo um conhecimento técnico por detrás que permite produzir o trabalho final. Creio que é impossível fazer uma coisa sem a outra.
Que projectos tens para o futuro?
Actualmente estou a trabalhar como freelancer e também estou envolvido no departamento de ilustração da faculdade de veterinária e, por enquanto, vou-me manter assim. O que gostava muito de fazer na minha área, a medicina veterinária, era tentar consciencializar as pessoas da importância que as ilustrações e a imagem têm para comunicar em ciência. Acho que é isso que ainda falta muito em investigadores e médicos. Num mundo em que somos cada vez mais visuais, o facto de se usar imagens para comunicar, seja resultados de trabalhos, seja algum conceito, é uma ferramenta competitiva muito boa num mercado que está tão cheio.