Saúde: Portugal em Maastricht

Teremos que mudar os modelos de gestão reinantes, focalizados que estão nos ganhos administrativos, para passarmos a ter uma gestão focalizada nos ganhos em valor.

Foi a primeira vez em que me desloquei à Universidade depois de Portugal ter terminado, com sucesso, o Programa de Assistência Económica e Financeira Internacional, vulgarmente conhecido como o programa da Troika.
 
Quando em 2011, o atual Governo, liderado pelo Primeiro-Ministro Pedro Passos Coelho, assumiu a difícil missão de conduzir os destinos do país entre os anos difíceis que se aproximavam, constatámos que o nosso Serviço Nacional de Saúde, património de todos, apresentava um nível de endividamento que colocaria em causa a sua própria existência. O Ministério da Saúde apresentava mais de 3000 milhões de euros em dívidas acumuladas a fornecedores, num contexto em que seria necessário proteger as populações mais vulneráveis, salvaguardar os ganhos em saúde passados e assegurar a segurança e qualidade na prestação de cuidados de saúde presentes e futuros.

Tratava-se, pois, de um desafio com contornos sem precedentes na nossa história contemporânea.

O que se sabe é que uma aplicação ipsis verbis do acordo negociado pelo Partido Socialista com a Troika para o setor da saúde implicaria que o Governo efetuasse cortes em cerca de 1800 milhões de euros entre 2012 e 2013. A realidade das contas públicas demonstram que a consolidação orçamental global realizada nesses dois anos foi de apenas 700 milhões de euros – menos de metade do acordado pelo PS e demonstrativo do esforço de discriminação positiva que a saúde tem merecido em sede de Orçamento de Estado.

Volvidos estes três anos, pode-se afirmar que não só Portugal cortou menos no setor da saúde do que inicialmente acordado com a troika, como iremos finalmente alcançar o equilíbrio financeiro dos hospitais públicos até ao final do presente ano, conforme anúncio do próprio Ministro da Saúde, Paulo Macedo.

Este caminho foi trilhado, tendo-se alargado em mais um milhão de beneficiários a isenção das taxas moderadoras (sobretudo em função dos rendimentos económicos), abrangendo assim mais de metade da população portuguesa e salvaguardando o acesso à saúde de quem dela mais precisa. Incrementou-se ainda o número de cidadãos com médico de família, mantendo uma melhoria contínua dos principais indicadores de saúde do país, nomeadamente da taxa de mortalidade infantil e um estável crescimento da esperança média de vida.

Encontra-se em discussão a proposta de Orçamento de Estado apresentado pelo Governo Português para 2015. Trata-se do primeiro orçamento pós troika, feito de acordo com as opções governativas, em respeito pelas metas traçadas no tratado orçamental, mas liberto das imposições de entidades externas. Em coerência com o discurso do Governo, foi apresentada uma discriminação positiva para a saúde com um incrementar em mais de 50 milhões de euros destinados para o orçamento do Ministério da Saúde. 

Dito isto, e regressando agora às reações dos alunos na referida aula em Maastricht, realizada no contexto do bacharelato sobre sistemas de saúde europeus, é evidente que Portugal, apesar das enormes conquistas dos últimos 35 anos do Serviço Nacional de Saúde, ainda tem um longo caminho a percorrer. Para nos prepararmos adequadamente para os desafios vindouros na saúde teremos forçosamente que apostar mais na prevenção da doença e na promoção da saúde, incluindo uma aposta consistente na educação para a saúde. Apenas reduzindo a carga da doença poderemos almejar alcançar a tão necessária sustentabilidade do SNS.

Quando a prevenção não é possível, os sistemas de saúde terão que ser capaz de responder de forma a garantir o bom restabelecimento da saúde. Para isso, teremos que mudar os modelos de gestão reinantes, focalizados que estão nos ganhos administrativos, para passarmos a ter uma gestão focalizada nos ganhos em valor. Isto é, teremos que evoluir para uma gestão assente nos ganhos em saúde com a consequente melhoria dos respetivos indicadores. Todo o modelo de financiamento e a reforma do próprio sistema de saúde, o que inclui forçosamente a revisão do mapa das unidades de saúde do país, terá que ser feito com estes objetivos em mente.

Dito isto, torna-se evidente que estas mudanças exigem compromissos que vão muito para além dos ciclos políticos de quatro anos. Assim sendo, é forçoso - diria mesmo que o país o exige - que os partidos do arco da governação se entendam de uma vez por todas sobre as questões fundamentais, entre as quais sobre o futuro da saúde.

Infelizmente, não conhecemos o pensamento do Partido Socialista, nem de António Costa, relativamente à saúde. Se com António José Seguro a visão da saúde do PS tinha um porta-voz na pessoa de Álvaro Beleza, hoje não conhecemos “quem pensa saúde” no Partido Socialista.

Aliás, parece mesmo que a saúde não está no topo das preocupações do candidato a primeiro-ministro, António Costa. Prova disso foi a forma como António Costa dispensou Maria de Belém Roseira, uma das pessoas do PS que melhor compreende as necessidades em saúde do país, para a substituir na presidência do Partido Socialista.

A bem do país, seria importante que António Costa expusesse qual a sua visão para a saúde e que defina rapidamente quem é o novo interlocutor do PS para este setor. Que o faça de forma construtiva para que neste último ano da legislatura possamos, todos juntos, discutir e acordar as reformas intergeracionais que o Serviço Nacional de Saúde necessita e que os Portugueses merecem. Pela nossa saúde.

Médico, Deputado e Professor Universitário

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