Ter doutores: quem pode, pode

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Vamos ao truque clássico: o que têm em comum Angela Merkel, Gabrielle Heinen-Kjajic e Peter Matjašic? Uma ambição bonita: todos querem mais licenciados. O que distingue Merkel do trio? A chanceler quer isso, mas só para a Alemanha.

Vamos por partes. Na terça-feira, Merkel disse que “Portugal tem licenciados a mais”. Isso irritou os portugueses, até o ministro Nuno Crato, um admirador do sistema alemão, que acredita no ensino dual e o quer reforçar em Portugal. A frase irritou porque é falsa. Portugal tem quase metade da média de licenciados da União Europeia: 17% dos portugueses são licenciados, 25% dos alemães são licenciados. Ao contrário de outras declarações de Merkel (sobre feriados e horas de trabalho), sabemos que a chanceler quis dizer o que disse e acredita mesmo que é um problema Portugal ter a ambição de aumentar o conhecimento. Merkel sabe, como nós, que tão cedo não vamos conseguir dar emprego a todos estes licenciados, que os salários serão baixos durante anos, que a frustração só aumentará.

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Angela Merkel entre Reinhard Goehner (à esquerda), chairman da BDA (confederação das associações dos patrões da Alemanha), e o presidente da BDA, Ingo Kramer, a 4 de Novembro durante o congresso da federação em Berlim, no qual Merkel falou dos licenciados Bernd Von Jutrczenka/AFP

A Alemanha, que em licenciados está na média europeia, reduziu a sua ambição nos anos de crise? Pelo contrário. Quer ainda mais licenciados. Dir-se-á: quem pode, pode. A Alemanha é rica, sabe que mais conhecimento gera mais riqueza, logo, quer mais “doutores”.

Foi a chanceler quem criou o Pacto 2020 para o Ensino Superior, quem injectou dez mil milhões de euros para os anos 2011-2018 e quem definiu um objectivo concreto: mais 625 mil alunos no ensino superior alemão até 2015. Os textos oficiais desta estratégia falam na importância de permitir que “mais estudantes realizem os seus sonhos”. É bonito. Quando ainda era Angela Dorothea Kasner, a agora “senhora Merkel” concretizou os seus: licenciou-se em Física e a seguir doutorou-se em Química Quântica. Nada contra o ensino dual. Pelo contrário. Em qualquer aldeia portuguesa se diz que “nem todos podem ser doutores”. Um país não pode ter só licenciados, do mesmo modo que não pode ter só start-ups tecnológicas. Alguns engenheiros terão de continuar a fazer pontes e arranha-céus, se faz favor. Se temos poucas, menos do que os outros e se elas são o futuro, não faz sentido queixarmo-nos e dizermos que “agora só se fala em start-ups”. Dizer que há licenciados a mais apenas porque agora não dá jeito é interesseiro.

E o que fizeram esta semana os dois “companheiros” do truque clássico? Matjašic, líder do fórum europeu dos jovens, escreveu a Juncker para lhe dar os parabéns e pedir-lhe um ensino melhor para os jovens. Gabrielle Heinen-Kjajic, ministra da Ciência da Baixa Saxónia, declarou o fim das propinas nas universidades públicas. A Alemanha é hoje um país 100% livre de propinas. A ministra explicou a decisão: “Não queremos que a educação superior dependa do dinheiro dos pais.”

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