Cavaco Silva: "Eleições serão na data prevista. Ponto final"

Presidente da República defende que próximo Governo terá de ser “maioritário”.

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Cavaco Silva defendeu que este domingo "a abstenção não é solução" Daniel Rocha

Esta clarificação do chefe de Estado surge numa altura em que o PS e alguns antigos ministros têm reclamado a realização de eleições antecipadas para que o próximo Governo possa preparar com tempo o Orçamento do Estado para 2016. António Costa é da mesma opinião, não se sabendo, porém, se esse foi um dos temas da conversa que manteve com o Presidente a 10 de Outubro, quando foi recebido em Belém. A que se somam os contínuos pedidos dos partidos ainda mais à esquerda para eleições antecipadas por razões políticas

Só uma crise política "grave" ou a alteração da própria lei poderá impedir Cavaco Silva de cumprir o calendário aprovado na Assembleia da República, em 1999, garantiu, por várias vezes, o Presidente da República na entrevista. “Se a AR não mudar a lei eleitoral que aprovou em 1999, se não ocorrer uma grave crise política que ponha em causa a governabilidade, então as próximas eleições legislativas terão lugar em 2015, entre 14 de Setembro e 14 de Outubro. Ponto final.”

É, aliás, a justificação da “grave crise política” em que o país se encontrava em Julho de 2013 que Cavaco usa para exemplificar um momento em que estaria disposto a usar a “bomba atómica” – um instrumento poderoso que não pode servir simplesmente para “ajustar” datas. “Estava em causa ultrapassá-la através de um compromisso de salvação nacional.”

Foi o PS que fixou data na lei de 1999
Talvez para tentar calar as vozes da esquerda parlamentar, Cavaco Silva acrescenta um pormenor venenoso para os socialistas - e sobretudo para António Costa, que era ministro dos Assuntos Parlamentares no primeiro Governo de António Guterres. “A fixação desta data ocorreu na alteração da lei eleitoral que teve lugar em Junho de 1999. A proposta do artigo respectivo foi apresentada pelo Partido Socialista e votada favoravelmente pelo PS, PCP e Verdes e contra pelo PSD e CDS.” Portanto, se o legislador (o Parlamento) não está contente, mude a lei, desafia Cavaco Silva.

“O PR não pode manipular a seu bel-prazer a data precisa das eleições para favorecer o partido A ou B”, argumenta, acrescentando: “Não contem com o Presidente para ir contra a lei e a Constituição.”

Como o actual Governo foi constituído a partir de legislativas ocorridas a 5 de Junho de 2011, tem havido discussão sobre a possibilidade de o próximo acto eleitoral para a Assembleia da República seja feito antes do Verão, cumprindo o preceito constitucional de cada legislatura durar quatro anos e quatro sessões legislativas - estas últimas são determinadas pelo Parlamento.

Porém, tecnicamente, o Parlamento pode sempre fazer como no primeiro Governo de José Sócrates (2005/2009), em que uma das sessões legislativas foi repartida em dois períodos.

Cavaco contraria mesmo todos os argumentos que têm sido aduzidos para a convocação antecipada de eleições. Para além das justificações legais, o Presidente desvaloriza a questão da necessidade de ter o orçamento elaborado mais cedo para cumprir o calendário europeu.

Recorda que as últimas eleições na Alemanha, Holanda e Dinamarca foram em Setembro. “As regras europeias não podem deixar de se adaptar às especificidades eleitorais dos diferentes países.” E a nível interno também não vê problemas: até à entrada em vigor de um novo orçamento – que deporá acontecer só no final do primeiro trimestre de 2016 -, o país vive com o anterior em duodécimos. “Se calhar até é positivo para um Governo que surja de novas eleições se acalmar e ainda se manter durante algum tempo com as limitações de despesas que venham do passado.”

Próximo governo tem de ser maioritário e previamente consensualizado
Cavaco Silva recusa outro argumento para as eleições antes do Verão, que é o de as legislativas no Outono caírem já em cima de um período em que os seus poderes estarão diminuídos por se encontrar também em final de mandato – e ser-lhe mais difícil ajudar no caso de negociação entre os partidos. O chefe do Estado diz que os partidos portugueses deviam habituar-se a “longos períodos negociais para chegarem a entendimentos” e cita exemplos europeus como o da Alemanha onde as conversações para a coligação governamental demoraram 86 dias.

O recado vai para a direita: “É muito melhor que numa eventual coligação os partidos políticos façam uma negociação aprofundada, indo mesmo aos detalhes, do que levarem depois os conflitos e as lutas partidárias para dentro do Governo.”

E, mais adiante, para a generalidade dos partidos. “A nossa vida política precisa de um pouco mais de serenidade e de não atingir esses graus de esquizofrenia que de vez em quando surgem.” A bicada a José Sócrates veio quando Cavaco recordou que no seu próprio tempo de primeiro-ministro negociava muito com o então líder do PS, Vítor Constâncio. Desde então “as coisas mudaram muito e começaram a mudar fundamentalmente no último Governo, agravaram-se as dificuldades, e mantêm-se ainda”.

Baixar o nível de crispação e manter a imagem externa
Recordando o seu apelo no 10 de Junho para um compromisso partidário até ao orçamento já discussão, Cavaco Silva considera “fundamental baixar o nível de crispação e agressividade dos debates entre as forças políticas, por forma a criar condições mais favoráveis para um diálogo interpartidário, que pode ser necessário depois do próximo acto eleitoral”.

O que mostra que, apesar de defender que o próximo Executivo tem de ser “maioritário”, o Presidente da República receia que isso não aconteça. “O próximo Governo, seja qual for a sua composição, não pode deixar de ter o apoio maioritário da Assembleia mas, além disso, tem de assegurar uma solução governativa coerente e consistente. Tem de dar uma garantia: de governabilidade e de estabilidade política”, defendeu Cavaco. Para o chefe de Estado, um Governo maioritário é  “algo decisivo para o país”.

A questão é tanto mais importante, segundo o Presidente, quanto é necessário a Portugal manter a sua boa imagem externa. "É fundamental que, no exterior, se pense que com este ou outro governo, os políticos portugueses aceitam que é preciso manter essas orientações", diz, referindo-se em concreto à sustentabilidade da dívida pública e à competitividade e estabilidade fiscal.

Pontes em matérias sectoriais
“Um dia chegará a Portugal uma verdadeira cultura de compromisso, excepto se aparecerem líderes fortemente carismáticos que consigam assegurar maiorias absolutas. Mas diz-se que isso parece difícil…”, afirmou. Questionado sobre se espera essa atitude de António Costa, não vacila: “Com certeza que espero. É um partido responsável e também considero responsável o seu líder.”

No entanto, admite que essa falta generalizada de diálogo não é só falha da oposição. “Não se podem atribuir as culpas apenas a um lado”, responde quando questionado de a disponibilidade também tem existido da parte do Governo.

Agora que o PS tem um novo líder “é da maior importância restabelecer pontes de diálogo” em relação a “matérias sectoriais importantes para o futuro”. Como as questões europeias, os fundos estruturais, a descentralização de competências para as autarquias locais, a reforma fiscal, mas também em questões de estratégia orçamental como a trajectória de sustentabilidade da dívida pública, o controlo do endividamento externo, ou a competitividade da economia e o respeito pelos compromissos internacionalmente assumidos, enumera.

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