Porto/Post/Doc: o nascimento de um novo festival de cinema
Primeira edição do Porto/Post/Doc vai decorrer em Dezembro, com uma secção competitiva que inclui oito estreias nacionais e que representa bem a realidade mutante de um cinema documental que continua a contar histórias reais, mas que incessantemente se reinventa e que se serve sem pruridos do que a ficção tem a dar-lhe.
Dirigido por Dario Oliveira, co-fundador do festival de Curtas-metragens de Vila do Conde e um dos responsáveis pela programação de cinema na Porto 2011, o Porto/Post/Doc é organizado pela associação homónima, criada em Março deste ano, e que se tem dado a conhecer nos últimos meses através do programa Há Filmes na Baixa!, que irá manter-se, complementando com uma programação regular ao longo do ano a oferta mais intensa que o festival trará em Dezembro.
Na apresentação do festival, que decorreu esta sexta-feira no Rivoli, Dario Oliveira notou que não é por acaso que o lançamento do Porto/Post/Doc coincide com “um novo despertar da cidade” e surge “numa altura em que a que a palavra cultura volta a estar presente nas conversas” e “as práticas culturais voltaram a fazer parte do quotidiano do Porto”.
Comentando ao PÚBLICO os critérios que orientaram a programação desta primeira edição, e em particular a sua secção competitiva, Dario Oliveira sublinha a variedade dos filmes a concurso, que “tanto abordam a guerra da Síria como histórias de skateboarders”, e “não são todos focados nos grandes problemas da contemporaneidade deste mundo em que vivemos”. E observa que dos 12 filmes a concurso, se nem todos são de cineastas emergentes, sete foram realizados por autores com menos de 35 anos de idade.
Com o cinema de produção industrial, essencialmente americano, a adaptar-se a novas formas de entretenimento e a monopolizar as salas comerciais, “todo o restante cinema, que é onde estão as obras mais interessantes, mais fracturantes, precisa dos festivais para chegar ao público”, diz o responsável do Porto/Post/Doc.
Em competição
As doze longas-metragens de documentário em competição serão apreciadas por um júri internacional composto pelo fotógrafo André Cepeda, a programadora checa Diana Tabakov, a escritora, curadora e arquivista suíça Emilie Bujes, o teórico e crítico de cinema francês Jean Pierre Rehm e o cineasta canadiano Mark Peranson, editor da revista Cinema Scope.
A selecção inclui três filmes portugueses – A Cidade e as Trocas, de Luísa Homem e Pedro Pinho, João Bénard da Costa – Outros Amarão as Coisas que Eu Amei, de Manuel Mozos e Volta à Terra, de João Pedro Plácido, que já foram estreados no DocLisboa.
Da Bélgica vem 9999, de Ellen Vermeulen, que retrata o limbo judiciário em que vivem os presos considerados doentes psiquiátricos, e da Suíça chega L’Abri, de Fernand Melgar, cujo retrato de um abrigo nocturno em Lausanne mostra a dificuldade da Europa civilizada em incorporar os emigrantes, e Nebel (Nevoeiro), uma produção suíça-alemã realizada por Nicole Vögele.
Atlas, incursão no documentário do fotógrafo Antoine D’Agata, Danger Dave, de Philippe Petit – centrado no percurso descendente de um skater pioneiro e idolatrado – e Letters to Max, de Eric Baudelaire, que trata de um país que a comunidade internacional não reconhece, a Abkházia, uma república autónoma de jure no norte da Geórgia, são as contribuições francesas para a secção competitiva.
O elenco completa-se com Waiting for August, da romena Teodora Ana Mihai, Our Terrible Country, uma produção sírio-libanesa de Mohammad Ali e Ziad Homsi que mostra a Síria de hoje, um país destroçado pela guerra civil, e Storm Children – Book One, do filipino Lav Diaz, que nos dá a ver o grau de devastação que um tufão pode provocar.
O Porto/Post/Doc incluirá ainda o seminário Onde Está o Real?, que porá a discutir em três mesas-redondas realizadores e investigadores de cinema, mas também sociólogos, geógrafos, arquitectos e especialistas de outras áreas. Se o festival parte do reconhecimento de que assistimos a uma progressiva hibridização entre documentário e ficção, este seminário pretende gerar alguma reflexão teórica em torno desta mudança.
Haverá ainda uma secção, Persona, especificamente destinada a filmes que abordem situações políticas e sociais complexas e examinem, “ao microscópio da lente cinematográfica”, os muitos rostos que pode assumir a violação dos direitos humanos. A maior parte destes filmes será exibida no dia 10 de Dezembro, quando se celebra o dia internacional dos direitos humanos. É nesta secção que se insere o filme escolhido para a sessão de abertura, Concerning Violence, de Goran Hugo Olsson, que será exibido em antestreia nacional.
Outra secção, Transmission, explorará as múltiplas relações entre música e cinema, e o festival propõe ainda secções respectivamente destinadas ao cinema português (Cinema Falado) e aos documentários produzidos na vizinha Espanha (Cine Fiesta).
O Port/Post/Doc pediu ainda aos prestigiados festivais CPH: DOX, de Copenhaga, e FIDMarseille para escolherem filmes para serem mostrados no Porto, bem como ao crítico de cinema norte-americano Dennis Lim, hoje programador da da Film Society do Lincoln Center, e ao galego Lois Patiño. Os vários programadores estarão no Porto a acompanhar a exibição dos filmes que escolheram, incluídos na secção especial Cartes Blanches.
No dia 11 de Dezembro, dia em que Manoel de Oliveira fará 106 anos, o festival irá homenagear o decano do cinema mundial com a exibição de vários dos seus documentários, como Douro, Faina Fluvial ou O Pintor e a Cidade.
Para a sessão de encerramento, no dia 13, o Porto/Post/doc escolheu outro filme da secção Persona, The Salt of the Earth, de Wim Wenders e Juliano Ribeiro Salgado, que segue o trabalho do fotógrafo Sebastião Salgado.