Karyna Gomes, uma voz urbana para a Guiné-Bissau

Chama-se Mindjer e é uma boa estreia da guineense Karyna Gomes nos discos, depois de muita rodagem por vários palcos. Já nas lojas, é apresentado ao vivo dia 27 no B.Leza.

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Karyna nasceu em Bissau, a 13 de Fevereiro de 1976, dois anos após a independência. "Sou daquela leva de bebés que nasceu dos filhos dos ex-combatentes". E foi em Bissau que fez os estudos, primários e secundários. Isto até 1994. "Depois trabalhei um ano, enquanto esperava uma oportunidade para prosseguir os estudos, porque não havia universidade em Bissau. Até que, em 1996, fui contemplada com uma bolsa do governo brasileiro, do Itamarati, para fazer um curso de jornalismo na Universidade Católica de São Paulo." E foi para o Brasil. Nesse período, o seu país tremeu. "Houve a tal guerra de 98, que devastou a minha cidade e afectou a minha família, porque perdemos a nossa casa no conflito." Isso levou-a a ficar mais um ano no Brasil do que o previsto, para lá dos quatro anos que durara o curso. E isso abriu-lhe as portas à música. "Comecei a cantar num coro gospel, numa igreja evangélica de São Paulo, e fui convidada depois para ser solista. Foi aí que comecei a cantar. E não parei, até hoje."

Mas entretanto voltou para a Guiné, logo que pôde. "Lembro-me de ter recebido o diploma do curso e querer coltar logo. Eu sabia que havia muitas lacunas no sector da comunicação e queria ajudar. E acho que consegui dar algum contributo." Quando voltou, em 2001, foi para a delegação da RTP-África até o então presidente Kumba Ialá ter decidido fechá-la. Depois foi para a rádio e apanhou, é ela que o diz, "o bichinho da rádio". Antes, trabalhara como correspondente da Associated Press e colaborou com o jornal A Semana, de Cabo Verde. Na rádio atraiu-a a comunicação para o desenvolvimento. "Tinha uma abordagem específica que passava por ir ao terreno e criar uma forma de trabalhar em parceria com os comunicadores radiofónicos locais, porque há uma forma própria, específica, de fazer rádio em África."

Em termos de experiências paralelas à música, não iria parar por aí. Depois da rádio, onde esteve até 2008, ainda fez assessoria de imprensa na Unicef, mas sempre em Bissau. "Foi um trabalho interessante, aprendi muita coisa. Mas não fiquei mais porque senti que isso me iria tirar da música." Onde ela já estava, aliás, desde o seu regresso. "Houve um reencontro, meu, com a música urbana da Guiné. Dentro do contexto religioso, porque a igreja que eu passei a frequentar na Guiné já não tinha um coro gospel, no formato negro-americano, mas música sacra em crioulo e outras línguas da Guiné. E achei que isso tinha mais a ver comigo."

Primeiro começou a cantar num restaurante, em 2005, impulsionada por uma prima, depois foi convidada a integrar o grupo Super Mama Djombo. Mas não quis gravar logo. Achou que devia começar primeiro um processo de investigação na música. "Fui para a rádio nacional consultar as pessoas, o Super Mama Djombo foi decisivo porque é um grupo histórico da Guiné-Bissau. Aprendi muito com todos eles, sobretudo com a primeira geração do grupo."

Vozes do mundo

Mas é a sua ida para Lisboa, "cansada da rotina da comunicação" e desejosa de fazer um mestrado, que lhe abre o caminho para gravar o primeiro disco. Conheceu a Get!Records, hoje a sua editora, e apresentou-lhe uma "maquetezinha caseira". "Eles gostaram a acharam que tinham ali material para trabalhar." Por isso avançou com o disco e só depois completará a tese. "O tema que eu escolhi tem a ver com música, porque a música teve um papel fundamental na mobilização da juventude urbana para as grandes causas nacionais, a começar pela independência."

O disco de Karyna Gomes reflecte isso, em termos sonoros. "Quando medito no meu trabalho, vejo que este primeiro disco é essencialmente uma genealogia da música urbana guineense. Porque eu canto em crioulo e mesmo a música mais tradicional que eu fiz no disco, que é o Nha cunhada, é uma música da cidade, embora ainda não tenha nenhum instrumento ocidental. O único instrumento ocidental que entra na música urbana da Guiné é o acordeão, que está muito ressente no disco."

Por isso, ela insiste nesta ideia: "Aqui não vejo nada de étnico, mas sim da música urbana. Quando pego num tema que o Zé Manuel Fortes fez em 1978, ponho um pianoforte e faço uns improvidos de gospel, tenho um coro. E isso já tem a ver com os processos de identificação da minha parte. Porque eu nasci na Guiné-Bissau mas a minha mãe é cabo-verdiana, o meu pai é guineense, os meus tios-avós tinham uma estante cheia de discos cubanos e brasileiros, de bossa nova. Ora por causa dessas influências já lá de casa (o meu pai sempre ouviu muita música do mundo todo, cubana, brasileira, americana), em pequena ouvi muito Michael Jackson, Whitney Houston, Toni Braxton e esses nomes da música pop americana, mas também do soul, do jazz e do rhythm’n’blues e isso acabou por influenciar a minha musicalidade. Em Bissau, as pessoas da minha geração estão contentes, porque ainda não tinham encontrado ninguém que tivesse a ousadia de gravar um disco que trouxesse aquilo que nós ouvíamos: o funk, o soul, o groove americano, isso misturado com às outras coisas de base da nossa música."

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