Não há prazo para Portugal retomar cooperação judiciária com Timor
Xanana mostra-se surpreendido com consequências da expulsão de magistrados. Passos Coelho diz que muita água há-de correr debaixo da ponte até relações voltarem ao ponto em que estavam antes do conflito diplomático.
"Nós somos muito amigos de Timor, mas há regras e há limites que têm de ser respeitados. E quando não são, isso tem consequências. Tenho pena, lamento profundamente que tudo aquilo que foi a troca de informação que foi registada antes destas decisões serem tomadas não tivesse sido suficiente para evitar este desfecho. Agora, teremos de viver com ele e teremos de aprender com esses resultados", disse ainda o governante, não se inibindo de recorrer outra vez a expressões populares: "Acredito genuinamente no interesse por parte do Governo de Timor-Leste de preservar boas relações com Portugal. Mas, como se costuma dizer, amigos, amigos, negócios à parte".
Para o primeiro-ministro, uma coisa é "haver uma insatisfação com o desempenho dos magistrados portugueses em Timor-Leste, e o Governo está no seu direito de fazer essa avaliação". Outra "muito diferente”, é mandá-los embora, num prazo de 48 horas, como foi o caso. Passos Coelho revelou ainda que trocou várias "impressões por escrito" com Xanana Gusmão, na tentativa de impedir "um desfecho destes”.
"Poderemos estar abertos a retomar a cooperação com Timor na área judiciária - que é uma área muito particular e muito sensível - mas para que isso aconteça ainda muita água terá de correr debaixo das pontes, e muita coisa terá de ser reavaliada", antecipou.
O primeiro-ministro reagia assim a uma entrevista do seu homólogo timorense, Xanana Gusmão, em que este assegurou não ter tido intenção de “esfriar as relações com Portugal". Embora tenha admitido que a reacção do Governo português às medidas que o parlamento timorense tomou nesta segunda-feira superaram as suas expectativas - “Só peço para reduzirem um bocado a emoção com que se expressam”, sugeriu - o antigo líder da resistência insistiu na alegada incompetência dos magistrados que ali prestam serviço. Em causa estão, segundo Xanana, 51 processos judiciais relativos a 378 milhões de dólares de impostos que o Governo de Timor defende que várias concessionárias de petróleo devem ao seu país.
"Em 16 casos já julgados, o Estado perdeu todos", recordou, explicando que foram perdidos 35 milhões de dólares. "Os erros foram tantos, tão inadmissíveis, que parámos para não influenciar o processo, porque estamos em recurso para recuperarmos o dinheiro que é nosso", afirmou. Xanana disse também que a resolução do parlamento não visava todos os funcionários judiciais internacionais, mas apenas os que tiveram responsabilidades nos casos com as petrolíferas. "Eu aceitaria se perdêssemos porque não apresentámos bem os factos. Não aceito por irregularidades, negligência e, talvez diga má-fé, por parte de alguns actores", afirmou. Daí terem sido invocados motivos de “força maior” e de “interesse nacional” para a expulsão. "Não permitiremos que a nossa soberania seja violada”, declarou ainda aquele governante, acrescentando que a medida só foi decretada depois de o Conselho Superior de Magistratura timorense não ter acatado a resolução dos deputados, ordenando aos magistrados internacionais que se mantivessem em funções.
Os órgãos de cúpula dos magistrados portugueses já vieram garantir a integridade de quem prestava funções nos tribunais timorenses. Há, porém, quem olhe para o que sucedeu de outra forma. É o caso de Pedro Bacelar Vasconcelos, que ajudou a redigir a Constituição de Timor e participou em duas avaliações internacionais daquele sistema de justiça. “A justiça timorense está completamente parasitada por funcionários internacionais ao serviço dos mais variados interesses”, observa. Para o constitucionalista, dizer que a expulsão dos magistrados ocorreu por eles terem investigado e em vários casos condenado governantes é “um disparate”, uma vez que o têm vindo a fazer há já vários anos. Bacelar Vasconcelos vai mesmo mais longe: “Gostava de os ver explicar, no Conselho Superior da Magistratura português, algumas das suas sentenças”, ironiza. “A falta de qualidade de algumas dessas decisões é flagrante. Alguns desses funcionários deixaram-se instrumentalizar”.
Para o jurista, a suspensão da cooperação judiciária pode ter desagradáveis resultados ao nível da presença da língua portuguesa em Timor, que é, a par do tetum, a língua oficial. É que as leis de Timor estão todas escritas em português, dada a dificuldade de tradução de alguns conceitos legais para o tetum. E muitos juízes e mesmo governantes de Timor não dominam totalmente o português, faz notar. “Uma ruptura grave da cooperação judiciária seria por isso de uma total irresponsabilidade”, avisa.
O que está em jogo, como se depreende dos comunicados do Governo português, é a suspensão da cooperação judicial, e, por agora, só essa. “A ministra da Justiça entende não estarem criadas as condições adequadas para prosseguir a política de cooperação na área judiciária sem que primeiro tenha lugar uma reavaliação cuidada de pressupostos e regras bem diversas das que conduziram à actual situação”, refere uma nota de Paula Teixeira da Cruz
Em Lisboa, não foi bem recebido o conteúdo de um ofício enviado ao fim da tarde de segunda-feira pelo ministro da Justiça de Timor, Dionísio Babo, à sua homóloga portuguesa. Na nota, Babo solicitava um encontro num prazo difuso: “Entre Novembro e Dezembro”. O que não se coaduna com a gravidade situação.
O PÚBLICO sabia já que a saída de território timorense destes funcionários judiciais portugueses ia decorrer até ao fim-de-semana e já esta manhã a agência Lusa avançou que os últimos quatro funcionários que ainda permaneciam no país, dois juízes e uma procuradora portugueses e um procurador cabo-verdiano, deixaram hoje Timor-Leste em voos com destino a Bali, Indonésia, e Singapura, devendo chegar a Portugal na sexta-feira.
Os quatro funcionários, diz ainda a Lusa, não receberam qualquer notificação dos serviços de migração timorenses. Vários juízes e procuradores timorenses deslocaram-se ao aeroporto para se despedirem dos colegas, sem prestarem declarações à imprensa.
Na última década, o montante da cooperação de Portugal com Timor-Leste ascendeu a 470 milhões de euros.
Depois de uma primeira fase, entre 1999 e 2002, em que o apoio português se centrou na assistência humanitária e de emergência, depois da independência a cooperação passou a assentar em alguns eixos fundamentais: boa governação, participação e democracia; desenvolvimento sustentável e luta contra a pobreza; cooperação científica e tecnológica; empreendedorismo e desenvolvimento empresarial.
Esta relação teve expressão nos mais variados sectores: Educação, Saúde, Agricultura, Infra-estruturas, Comércio e Turismo, Segurança Interna e Segurança Social. com Lusa