O Rádio Bar agora também é AM

Vira o disco e não toca o mesmo, toca antes a várias frequências. No Rádio Bar, no Porto, o r/c é versão FM e agora no restaurado piso de cima há versão AM. Um espaço para várias ondas onde se pode relaxar e conversar

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Paulo Pimenta

Foi um processo ao contrário da história das ondas da rádio: no Rádio Bar primeiro surgiu o FM e agora, no início de Setembro, chegou o AM. Porque do FM ao AM foi necessário um trabalho que foi quase de arqueologia e certamente de restauro cuidado para recuperar o primeiro andar do edifício da Praça Filipa de Lencastre, devolver-lhe o esplendor e dar-lhe uma identidade. Uma identidade que é distinta do irmão de baixo: o ADN é o mesmo, a ligação é umbilical, mas o resultado é complementar. Se no piso de baixo, o Rádio original, a ordem é dançar, neste AM a dança é opcional; a ideia é que seja mais um espaço para relaxar, para conversar e, quando o corpo pedir mais do que apenas abanar-se, descer ao rés-do-chão e deixar as ondas FM invadirem-nos. Um Rádio de corpo inteiro é o que agora se apresenta nesta dupla frequência AM/FM.

Na verdade, esta complementaridade AM e FM foi sempre o desígnio do Rádio Bar desde que em 2010 se mudou para este edifício bem no centro da Baixa portuense, com dois andares à disposição e um quintal feito esplanada. “Nessa altura foi tudo idealizado”, lembra Pedro Salazar, um dos sócios, “e muita estrutura foi preparada, coisas técnicas, como água, luz, extracção, o isolamento sonoro”.

Faltava o resto, o tal trabalho de restauro que não obliterasse a história do edifício, que teve o seu expoente exactamente no primeiro andar. Na sala principal, aonde se acede por três portas duplas, funcionou a sala de audiências do Tribunal Criminal do Porto, onde Camilo Castelo Branco foi julgado. E todo o cenário preservado sinaliza a importância do espaço com portas-janelas debruçadas sobre a praça, tecto alto em caixote de madeira e vitral central, lambris altos trabalhados em formas geométricas e pinturas nas paredes — a madeira tem falhas e está gasta, as pinturas estão esbatidas (há resquícios de listas vermelhas) na sua maioria e aqui se vê um pouco o trabalho quase arqueológico. Quase, porque não se sabe a que período correspondem as pinturas, por exemplo: e aqui entra uma segunda vida memorável do edifício, como Clube Primavera, frequentado pela alta sociedade do Porto e onde Manoel de Oliveira regressou para filmar o documentário Porto da minha Infância — desta encarnação sobra o pequeno desnível no chão que delimita a antiga pista de dança.

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E regressamos ao presente, porque o presente é o AM e essa sala principal tem agora cabina de DJ num canto, sofás vermelho-escuro encostados às paredes, mesas e cadeiras, como se fosse um salão de antigamente com apontamentos contemporâneos.

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Paulo Pimenta

Mas esta é apenas uma das salas do AM, cada qual com uma personalidade bem vincada. A que mais sobressai é a “sala branca”, ou Grey Goose, já que é patrocinada por esta marca de vodka (“a melhor do mundo”, dirá Pedro Salazar — e não será a única vez que ouvimos esta reivindicação aqui): é um espaço alienígena, totalmente branco, dividido por um enorme arco.

É também a primeira sala que vê quem chega ao hall, depois de vencidas as escadas — aqui está o balcão e um recanto mais chill-out; daqui se passa à sala principal e à das traseiras. Esta tem saída para a esplanada, em baixo, e é a mais linear (excepto se lhe tentarmos decifrar a cor: de dia é azulada, dizem-nos, à noite vemo-la cinzenta): uma sucessão de mesas de linhas rectas a compor um espaço quase de taberna (atmosfera acentuada pela iluminação: lâmpadas, tamanho XL, e luz “antigas), com uma lareira (agora recuperador de calor) e grandes portas de madeira cobertas de sinais (riscos) do tempo.

Voltamos à parte da frente do AM para descobrir a sala mais curiosa — acesso pela principal e pelo hall de entrada. Podia ser uma sala de estar pela sua dimensão, estilizada pela sua decoração — mas é a sala Patrón, a tequila que é, mais uma vez, “a melhor do mundo” (“não há mais nenhumas salas como estas no Porto, somos como que embaixadores das marcas”, diz Pedro Salazar, referindo-se à Patrón e à Grey Goose). Quer ser a sala mais convivial e por isso tem apenas uma mesa, baixa, retro, em forma de folha, ladeada por dois sofás — não uns quaisquer, uns feitos de cortiça, rectos e longos (o mobiliário do AM foi quase todo desenhado à medida) —, onde a ideia é que grupos se misturem. Uma estante simples ocupa uma parede e recobre-se de rádios antigos — entre estes, garrafas, de Patrón, as mesmas que compõem o candeeiro: 45 garrafas, lâmpadas em oito, “para ter luz controlada”, criação e concretização de Pedro Salazar. Em breve, esta sala terá uma “estação de rádio” com transmissões ao vivo — a ideia ainda está a ser trabalhada, mas passará por convidar pessoas a falar de música ou o que seja à laia das antigas emissões de rádio, aquelas da sua época dourada, congregadoras de todos os ouvidos disponíveis.

E não se pode deixar falar de música no AM. Se o Rádio Bar sempre foi conhecido pelas suas tendências rock, com inclinações mais ou menos indie, o AM aposta, claro, na complementaridade. É início da noite e o jazz enche as salas, que mais tarde escutarão funk, soul, disco, electrónica. Ritmos mais apropriados, consideram os responsáveis, para o tipo de espaço e para o tipo de serviço que aqui se tem — desde logo serviço à mesa e uma carta de cocktails mais vasta (um work in progress com as marcas). Tudo isto pode ser, não esquecer, um aquecimento para uma visita ao andar de baixo. Porque AM e FM são os dois rostos do mesmo Rádio.

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