Parabéns, Durão Barroso
O principal e notável mérito de Durão Barroso foi ter sabido manter o equilíbrio numa UE alargada e ter sabido preservar esse clube drasticamente alargado.
Este fenómeno não teria muita importância se revelasse apenas a dissonância cognitiva daqueles que o protagonizaram. Fala-se, para estes casos, da eterna doença portuguesa da inveja, bem como do paroquialismo acanhado do debate político nacional. Não serei eu a contestar essas explicações. Mas receio que ignorem um problema mais fundo e mais grave: a debilidade entre nós de uma cultura política de responsabilidade e autogoverno.
A crítica mais frequente a Durão Barroso foi a de que “não fez nada”. Terá apenas gerido compromissos entre os poderosos, designadamente aceitando as políticas de austeridade na zona euro, alegadamente ditadas pela Alemanha. É ainda sugerido, quando não abertamente afirmado, que essa gestão de compromissos foi ditada pela única ambição pessoal de se manter no poder. Em regra, estas acusações são acompanhadas de lamentos sobre a falta de liderança na União Europeia e de firmeza no desenvolvimento do chamado “projecto europeu”.
Receio ter de recordar que a União Europeia não é um Estado-nação com um governo central eleito na base de um programa que deve aplicar. Basicamente, é um clube de Estados-nações soberanos, cujos líderes políticos prestam antes de mais contas aos parlamentos nacionais.
Nestas condições, o principal papel do presidente da Comissão Europeia não é “liderar a Europa” rumo a amanhãs que cantam. É, muito precisamente, o de garantir o equilíbrio do navio em que navegamos. Esse navio foi decisivamente alargado durante a presidência de Durão Barroso: de 15 Estados-membros, a UE passou a incluir 28.
O principal e notável mérito de Durão Barroso foi ter sabido manter o equilíbrio numa UE alargada e ter sabido preservar esse clube drasticamente alargado. Na intervenção de despedida, que proferiu na semana passada no Parlamento Europeu, Durão Barroso disse isso mesmo. O tema tinha sido desenvolvido na longa palestra que proferira na Universidade Humboldt, em Berlim, e que a última edição da revista Nova Cidadania reproduz na íntegra (Ano XV, N.º 54, Outono-Inverno 2014).
Esse mérito não é pequeno. A União Europeia a 28 é uma notável instituição política que conseguiu lançar alicerces para dar estabilidade à nova ordem europeia saída da (na altura improvável e totalmente imprevista) implosão do império soviético.
Lamento ainda ter de recordar que este assunto é bem mais importante do que o das chamadas políticas de austeridade e do que a União Europeia pode ou deve fazer para as evitar. Este outro tema deve em primeiro lugar dizer respeito aos governos e parlamentos nacionais. São estes que devem interrogar-se sobre os motivos que geraram défices e dívidas públicas insustentáveis. São estes que devem definir as medidas para combater esses males.
E aqui chegamos ao centro da questão da animosidade da opinião publicada relativamente a Durão Barroso. Quando essa animosidade é prioritariamente fundada em assuntos domésticos, há aqui um sintoma de uma possível doença grave. Não se trata apenas de “paroquialismo acanhado” que ignora a dimensão internacional do empreendimento europeu. Trata-se também, e talvez sobretudo, de uma preocupante ausência de orgulho nacional nas nossas capacidades próprias para nos autogovernarmos.
Esta debilidade do sentimento de orgulho nacional é intrigante — sobretudo numa nação com quase novecentos anos de vida. Historiadores amigos dizem-me que o fenómeno não é inédito entre as nossas elites. Não sei o suficiente para avaliar com rigor essa asserção. Mas julgo saber o suficiente para afirmar que é deplorável a indiferença, quando não a aberta hostilidade, da nossa opinião publicada relativamente à presidência da Comissão Europeia pelo cidadão português José Manuel Durão Barroso.
Pela minha parte, não tenho hesitações em dar os parabéns a Durão Barroso.