Portugal condenado por tribunal europeu 14 anos após penhorar mulher que afinal tinha sido absolvida

Finanças penhoraram empresária apesar de ter sido absolvida por dívidas ao Fisco e à Segurança Social. Recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo, mas juízes deram razão ao fisco.

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Ao todo serão postas à venda perto de 150 casas de juízes Daniel Rocha

O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, para onde recorreu em 2010, condenou esta quinta-feira o Estado. Considerou que os tribunais portugueses violaram o princípio da presunção de inocência, ignoraram que a empresária já tinha sido absolvida em processo-crime e que, não tendo responsabilidade, nenhuma penhora lhe poderia ter sido feita. O Estado tem três meses para pagar uma indemnização de cerca de 10.500 euros, de acordo com o acórdão europeu ao qual o PÚBLICO teve acesso.

“Esperei 14 anos por este dia. É uma boa notícia, mas tenho a sensação de que isto ainda não acabou. Como e quando é que o Estado devolve aquilo que me tirou?”, questiona Fernanda Tadeu, de 59 anos, em declarações ao PÚBLICO.

Durante o longo processo judicial, acabou por ser alvo de uma nova penhora. Reformada por invalidez na sequência de um cancro da mama, viu chegar-lhe uma conta de 27 mil euros em custas judiciais referentes à acção que interpôs para se defender. O processo arrastou-se nos tribunais e em 2009 o Supremo Tribunal Administrativo deu razão às Finanças. Desde 2010 que lhe são retirados por mês 267 euros dos 1600 de pensão até que a dívida fique saldada.

“Vamos apreciar agora o que se pode fazer. Vou ler o acórdão. Se o tribunal europeu decidiu assim, o Estado português não tem razão alguma para continuar a retirar dinheiro da reforma. Este processo foi verdadeiramente vergonhoso. Penhoraram uma pessoa que foi absolvida. Eu lembrei isso aos juízes no Tribunal Central Administrativo. Disseram que a absolvição no processo-crime foi um erro”, lamenta o advogado João Rebelo Pereira.

A antiga empresária de Corroios foi inicialmente absolvida num processo-crime com o pai. Os juízes consideraram que, apesar de ser directora comercial na Vansul (a empresa com 160 funcionários que o pai manteve durante 40 anos), então estabelecida em Vila Nova, Costa da Caparica, não podia ser responsabilizada pelas dívidas. O Ministério Público acusava-a de ser a “gerente de facto” da empresa. O tribunal europeu lembra que não basta ser filha do dono para que isso se verifique.

“Nas Finanças diziam-me na altura que se fui absolvida, a penhora só podia ser um erro, mas nunca resolveram a situação”, critica. Num processo fiscal paralelo que ignorou a decisão dos juízes do processo-crime, o Fisco penhorou a cota de 75% que Fernanda detinha numa outra empresa de confecções fundada em Montemor-o-Novo. Foi, aliás, para essa empresa que passaram 80 trabalhadores da antiga firma do pai que morreu meses depois de assumir a dívida em tribunal.

“A empresa passou por anos difíceis de crise. Ou se pagava aos funcionários ou às Finanças e à Segurança Social. Os trabalhadores até foram nossas testemunhas em tribunal”, recorda Fernanda Tadeu.

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